quarta-feira, novembro 21, 2007

Eduardo Aroso enviou-me esta nota:
A propósito do texto de Álvaro José Ferreira (que muito me honraria conhecer pessoalmente), devo dizer que é elucidativo do nosso panorama... Sobre Luiz Goes, gostaria de referir apenas o seguinte: assim como há o «politicamente correcto», parece que, infelizmente, esse mal também já chegou ao ambiente musical e não só. Há nas rádios, televisões e outros meios, um certo «musicalmente correcto» que obviamente é feito sempre das mesmas figuras, porque se criou esse hábito. Pensar, escutar, analisar, dá trabalho. Trazer ao palco da verdade figuras de grande valor da nossa música, ora esquecidas ora parcialmente sustentadas (por ignorância e/ou outras intenções), é da maior importância, porque é de justiça. Penso que, a propósito deste artigo (e só por isso) eu peço ao Octávio o favor de colocar on line um pequeno artigo que fiz, em 1998, para o Artes & Artes, sobre um amigo e - neste caso que mais importa - um grande cantor e compositor que muito admiro: Luiz Goes.
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Segue o artigo atrás referido por Eduardo Aroso:
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ALGUMAS PALAVRAS DE REGOZIJO E SAUDAÇÃO
A LUIZ GOES
(1)

De Luiz Goes se pode dizer que veio a ser o único cantor do chamado fado/canção de Coimbra a encarnar globalmente aquele espírito do Movimento da «Presença» que verdadeiramente nunca chegou a penetrar na música de Coimbra, com excepção para um Bettencourt e pouco mais. Contribuição poética, voz singular, pessoalíssimo intérprete movido por uma linha composicional de síntese e originalidade, tudo nele tem universalizado a semente inesgotável que habita nesse trovar da cidade do Mondego, canto fundo, herdeiro de antigas influências, sejam árabes, galaicas, populares ou ainda outras. Único porque, de facto, a construção estilística de Luiz Goes nunca abandonou a pérola da nossa tradição sem pieguismos, e sempre recusou áridos esquemas mentalistas desligados do sentimento estético fulcral que deve caracterizar toda a música. Único porque, qual Verão em apogeu de sol, soube amadurecer todos os propósitos, todos os sonhos que os menos capazes ou ousados não puderam; e fê-lo sem a coreografia ilusória típica dos pós-modernismos, ou desses infelizes primarismos torpes e preconceituosos. Luiz Goes nunca fez da música subsídio para outra coisa que não fosse a coerência tenaz da sua nobre oficina por onde também passa, em tempos de crise, a brisa da tranquilidade e da certeza. E porque também nunca hesita quando resolve abrir as asas, tem colhido o saboroso mel da ousadia de mãos dadas com a sinceridade, proporcionado o despertar para quem precisa de ser acordado.
Profeta de um tempo aberto para acordes mais que perfeitos, em certo sentido lhe poderemos chamar, caloroso arauto do mais lídimo canto lusíada. Luiz Goes a quem o destino levou para um meio de ouvidos mais atentos, fora da sua terra; cantor a quem a plenitude da vida facultou palcos amplos e modernos, ao invés de apenas cenários medievos e estaticamente idílicos; palcos sem lantejoulas onde a sua consciência social nunca precisou de se fazer grito, bastando a convicta vigilância de quem sabe do fio único da vida ou a estrada onde cada um deve achar o seu norte, em passos próprios, ou melhor dizendo, por voz própria.

(1) A propósito de uma homenagem, artigo publicado em Artes & Artes (nº 8 – Março de 1998)
Eduardo Aroso

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