terça-feira, novembro 27, 2007

João Anjo - Um acorde interrompido

Morreu João de Oliveira Anjo! Assim recebemos a notícia. Como preâmbulo a estas palavras, demos um salto no tempo e no espaço, e leiamos o Diário I de Miguel Torga «Vila Nova, 3 de Dezembro de 1935 – Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade sem ao menos perguntar quem era». Este escrito de Torga sobre o poeta de Mensagem, na devida proporção e num certo sentido, bem se poderia, hoje, considerar também em relação a outro poeta, compositor e maestro João Anjo, que em Coimbra viveu, sem que a cidade algum dia tivesse perguntado quem era. Sim, também a cidade - a quem tantas e tantas melodias graciosamente ofertou João Anjo – nunca perguntou ao menos quem era. Nunca nenhum vereador, nenhuma universidade, mais popular ou menos popular, mais aberta ou menos aberta, nunca nenhuma instituição reconheceu pública e cabalmente esta figura tão humanamente singular, dotada de raros dotes artísticos, de fino gosto melódico e de um apurado ouvido musical, enfim, um artista que nos deixou centenas de canções, fados, marchas, aberturas, operetas, etc. etc., marcando algumas gerações. Medalhas e diplomas nunca o seduziram muito. O reconhecimento que gostava de ter era o do amor ao convívio, ao estar entre músicos, poetas e outros artistas. Para além dos habituais símbolos em ouro ou prata, a justiça cultural, por exemplo, da publicação de pelo menos algumas das centenas e centenas de páginas que ia distribuindo pelos amigos, a justiça cultural, dizia eu, da cidade da cultura, também essa nunca foi feita. E diga-se desde já, que quem conhece a sua obra, sabe que ela ocupa um lugar único num “espaço” de uma sensibilidade coimbrã que só ele soube preencher: quando o popular (local) se cruza com um requintado bom gosto da sua formação clássica em música, dela se enriquecendo e ao mesmo tempo a ela refrescando do que todos sabemos que existe na alma popular.
Para além do que os seus amigos e músicos possam levar a efeito nos próximos tempos – e certamente isso acontecerá – qualquer acto oficial que possa haver, será pura hipocrisia. João Anjo será sempre o mestre, como lhe chamavam os amigos, ou, às vezes com mais humor, «O Patriarca do Calhabé». A ele, que não acreditava na morte, mas numa transição, nós dizemos que vamos continuar a fazer música, a tocar e a cantar as suas composições. Ele terá sempre o seu apurado ouvido à escuta. Estas são algumas palavras breves, mas sentidas, no dia desta notícia a que não queremos dar o nome de acorde final! Há sempre variações na própria Vida que é infinita. Alguém muito querido mudou-se deste palco visível para outro onde se espera que também tenha música.

Coimbra, 26-11-07
Eduardo Aroso

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