quarta-feira, janeiro 10, 2007

ESTUDANTES DE COIMBRA ABREM "PAIXÕES"
Por António Manuel Nunes
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Nota prévia: o Blog "guitarradecoimbra" tem-se mostrado atento ao historial do Trajo Académico na UC e à multiplicidade de vestes docentes na Europa, América e Países de Leste. A propósito da estreia da telenovela "Paixões Proibidas", damos conta de incorrecções vestimentárias desnecessárias. Bem sabemos que no reino da "sétima arte" SI NON È VERO, È BENE TROVATO.
Ora, aceitando essa margem de liberdade que assiste à produção de telenovelas e séries, eu faria uma espécie de trocadilho com as palavras de Júlio César: em certas matérias não basta ficar pelo "parecer", é preciso "ser".
Cada vez mais me conveço que a Academia de Coimbra e suas Tradições (as presentes, as pretéritas e as virtuais) constituem o exemplo acabado daquilo a que alguns sociólogos designam por "comunidades imaginadas" (Benedict Anderson, 2005). Vista à distância, todos parecem saber tudo sobre ela e todos parecem possuir superior competência para sobre ela dissertar. É obvio que há na cultura académica coimbrã emblemas simbólicos incontornáveis, porquanto polarizadores da Identidade, servindo de exemplos a Capa de estudante ou a Guitarra de Coimbra. Mas, equanto no plano interno estas imagens e representações não sofrem ambiguidades, já no que respeita ao imaginoso olhar externo, o "parecer" pode contar mais do que o "ser". Ou seja, para quem não está familiarizado com o ethos académico, a Capa de estudante pode ser uma capa de "estilo Drácula" e a guitarra pode ser a Guitarra de Lisboa. Estas representações imaginadas, produzidas sobre comunidades imaginadas, são muito antigas na cultura europeia. Se recuarmos à arte sacra medieval, vemos que ainda Hollywood não o era e os pintores preenchiam um quadro da Natividade com pastores europeus medievais, ou uma Crucifixão com soldados medievais ou renascentistas. Do ponto de vista dos produtores de imagens de comunidades imaginadas, as INCONGRUÊANCIAS são partes constitutivas da "realidade virtual".
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Estreou ontem à noite na RTP1 (09/01/2007), pelas 21:00 horas, a telenovela luso-brasileira assinada por Aimar Labaki "Paixões Proibidas". Co-produzida pela Rede Bandeirantes e RTP, "Paixões Proibidas" entrecuza e recria elementos extraídos dos seguintes livros de Camilo Castelo Branco: "Mistérios de Lisboa" (1854), "Amor de Perdição" (1862) e "O Livro Negro do Padre Dinis" (1885).
Apresentada aos espectadores brasileiros em 14 de Novembro de 2006, a produção apostou na captação de cenas em Coimbra, Resende, Lisboa e Rio de Janeiro. Tudo começa no Rio de Janeiro, pelo ano de 1805, pouco antes da chegada da Família Real, com Simão regressado da UC.
O primeiro episódio abria com um quadro conimbricense, propondo um confronto ideológico entre partidários do absolutismo (discurso do estudante conservador Meneses) e adeptos dos ideais da Revolução Francesa (Simão). A notícia da morte de Bocage desencadeia inflamados discursos no Pátio das Escolas/Via Latina que rapidamente evoluem para insultos e pancadaria. Seguem-se fugazes imagens de deambulações adjacentes em ruas e na frontaria da Sé Velha. Detido e sujeito a processo disciplinar, Simão vê-se expulso da UC e regressa ao Rio de Janeiro.
O que dizer destas cenas filmadas em Coimbra em tempo e cenários reportados a ca. 1804-1805?
Reconhecendo a Aimar Labaki plena liberdade para recriar e ficcionar personagens e ocorrências, não quero deixar de assinalar algumas fragilidades que poderiam ter sido contornadas. Para se recriar uma época não basta pedir ao operador de câmara que mande retirar antenas de televisão e sinais de trânsito de uma rua, nem satisfaz dizer à equipa de costureiros que copie calções e casacas de um qualquer livro sobre a história do vestuário.
No meu tempo de estudante participei em episódios de duas séries televisivas, ambas com filmagens em Coimbra, dedicadas à vida e obra de Antero de Quental e Mário de Sá Carneiro. Na 2ª fui indicado pela Reitoria ao director da série e coloquei como condição o máximo de exigência e de rigor em tudo o que respeitava à reconstituição da Capa e Batina nos alvores da Primeira República. Lembro-me que numa filmagem junto ao Arco do Paço de SubRipas se disfarçou a calçada com ramagens e palhas. A iluminação eléctrica nocturna foi igualmente matizada com fumarolas provocadas pela combustão de jornais. Tudo isto para recriar um Mário de Sá Carneiro a fugir espavorido de uma trupe de veteranos! A dita cena foi filmada e quadrifilmada, na ânsia da melhor das imagens. Nas demoras e nos nervos, a fogueira dos jornais apagou-se e tornou-se necessário reacendê-la...
Reconheço que estou a ser exigente, mas não falo de nada que a experiência cinematográfica e televisiva britânica não tenha resolvido com mão de mestre desde há décadas em termos de cenários, guarda-roupa, caracterização de actores e sobretudo recriação credível de momentos do quotidiano como o banho, o fazer a barba, o comer, o cheirar rapé... para mim, actores que cirandam muito penteados, sem ligação palpável à natureza, podiam ter ficado a representar no palco de um teatro (quem disse que o actor faz tudo o que as pessoas "normais" costumam fazer?).
Nas telenovelas brasileiras de argumento histórico há uma forte tendência para adoptar a tradição hollywoodiana (mais vistosa e sedutora) de guarda-roupas e cenários virtuais consagrados em obras como "Fabíola" (1949), "Sansão e Dalila" (1949), "Os Dez Mandamentos" (1956), "Ben-Hur" (1959), ou "Cleópatra" (1963). Se esta opção seduz mais espectadores, não deixa de ser menos credível do ponto de vista do trabalho de reconstituição. O que é facto é que os realizadores e produtores cada vez mais recorrem a especialistas em cenários e guarda-roupas históricos, não se percebendo muito bem dos motivos que levaram a Rede Bandeirantes e a RTP aos caminhos do fazer mínimo.
Discutamos o que importa verdadeiramente discutir:
a) os cenários: tenho as maiores dúvidas quanto à pertinência do Paço das Escolas (Via Latina) e Sé Velha como sendo os locais mais adequados à realização de filmagens. Em 1804-1805 muito dificilmente os estudantes se atreveriam a fazer discursatas de teor político na Via Latina, numa UC ciosamente controlada pelo Reitor e velho amigo de Pombal, D. Francisco de Lemos. A ronda dos verdeais entraria logo em acção. É verdade que no momento da refrega entre as duas facções académicas se apercebe a intervenção de um corpo militar armado com espingardas. Mas uma tal intervenção não era possível na época em que decorre a acção. Se o realizador pretende aludir aos archeiros, só pode tratar-se de anacronismo grosseiro, pois o que então existia era o Corpo dos Verdeais, capitaneado pelo Meirinho. E o uniforme e as armas dos verdeais da UC não tinham mesmo nada a ver com aquilo que foi mostrado na filmagem.
As imagens captadas na fachada da Sé Velha não são propriamente felizes. Ao excesso de luz artificial projectada pelos holofotes, somam-se supressões trazidas por restauros posteriores e um adro construído na década de 1930!
A cena proposta por Aimar Labaki poderia ter sido recriada com contornos mais credíveis num espaço ligado a uma praceta da Alta, terreiro fronteiro ao Mosteiro de Santa Cruz, escadório da Sé Nova (já se disse que este largo é que servia de forum académico), ou num interior ligado ao ambiente conspirativo de uma sociedade secreta. O realizador optou pelo turístico e pelo espectacular e os resultados não foram seguramente os melhores. Regalam as vistas mas falham em substância.
b) A Loba e Mantéu: os figurantes e actores propostos como estudantes de Capa e Batina não correspondem ao uniforme discente usado na época (e os penteados que se viam, também não!). Houve aqui um deslize anacrónico e apressado para imagens oitocentistas tardias, nomeadamente um Macphail, cujo traço tão bem conhecemos.
Capa e Batina ainda não tinha feito a sua estreia nos "palcos" oitocentistas, prevalecendo a obrigatoriedade da Loba de dois vestidos (sotaina+chamarra), Mantéu talar (com colarinho, gola, bandas e cordões), Volta branca, Cabeção preto, Gorro preto, Calção, Meias altas e sapatos de chinelo com fivela. Tanto atropelo e tanta ligeireza na proposta de reconstituição desse trajo, mais imaginado e fantasiado do que propriamente objecto de trabalho substantivo telenovelístico. A Capa estava incorrecta em termos de colarinho (excessivamente alteado), da configuração da gola e da ausência de elementos epocais como as bandas peitorais. A Loba, nas suas duas variantes mais importantes, nem sequer foi reconstituída e, como tal, não vale a pena perder tempo a enunciar as omissões detectadas. Basta dizer que aquela "batininha" que se via nas filmagens não corresponde ao que os estudantes efectivamente vestiam ou tinham de vestir por obrigação estatutária.
O Gorro, visto muito de raspão, era em geral mais longo (num figurante via-se um inacreditável gorro de pescador com borla!!). Quanto à Volta e Cabeção, nem vê-los, pois o que as filmagens mostravam eram camisas de colarinhos chãos. No que toca ao Calção, prefiro não me pronunciar sequer. As meias, essas estavam "mais ou menos", como costuma dizer-se. Ele faltavam, em muitos estudantes, as tão usadas polainas pretas de abotoaduras laterais...
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Paixões proibidas" entre Portugal e o Brasil
Por Nelson Morais
"Corre o ano de 1805 e a Universidade de Coimbra (UC) acaba de receber a notícia da morte do libertário poeta Manuel du Bocage, a que o aluno brasileiro Simão de Azevedo dedicara um elogioso texto.
Das escadas da Via Latina da UC, perante centena e meia de colegas de capa e batina, o conservador Meneses faz um discurso inflamado. Mas é rapidamente interrompido pelo progressista Simão. Entre insultos mútuos, este sabe que acaba de ser expulso da UC e provoca uma cena de pancadaria, entre liberais e conservadores.
Esta é a sinopse possível das primeiras cenas da telenovela "Paixões proibidas", a adaptação, por Aimar Labaki, de três romances de Camilo Castelo Branco "Amor de Perdição", "Mistérios de Lisboa" e o "Livro Negro do Padre Diniz". De resto, foram as primeiras cenas a serem filmadas - ontem na UC - e praticamente as únicas com rodagem em Portugal. O grande bolo dos 160 episódios da inédita co-produção luso-brasileira RTP/Rede Bandeirantes - com os actores portugueses Virgílio Castelo, Natália Luiza, Pedro Lamares, São José Correia, Carlos Vieira, Henrique Viana, Nuno Pardal, Ana Bustorff e Leonor Seixas - é cozinhado no Rio de Janeiro.
As cenas de Coimbra visam tão só uma primeira caracterização do personagem Simão, o tal que é expulso da UC. Depois, "Simão de Azevedo, que corresponde ao Simão de Botelho, do 'Amor de Perdição', em vez de regressar a Lamego, regressa ao Brasil", explicou Virgílio Castelo, que, na pele do Padre Dinis, será protagonista, tal como Simão, no Brasil, de uma paixão proibida.
Na UC, onde uma vice-reitora, há uns anos, impediu a rodagem de uma telenovela que abordava a paixão proibida de um professor por uma aluna, o director de Programas da RTP1 depositou as maiores expectativas sobre esta parceria luso-brasileira.
"Tem acontecido, algumas vezes, actores portugueses participarem em telenovelas brasileiras, mas aquilo que vai acontecer, desta vez, é radicalmente diferente", garantiu Nuno Santos. Pela importância atribuída a "Paixões proibidas", o director de Programas, que se recusou a revelar o seu orçamento, ainda não decidiu se será exibida a partir de Novembro, como no Brasil, ou só em 2007, para assinalar o 50.º aniversário da RTP".
[texto extraído do site do "Jornal de Notícias" on line, http://jn.sapo.pt]
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