quarta-feira, dezembro 20, 2006

Lembranças de Artur Paredes e Afonso de Sousa
Caro Amigo:
Quem é lhe lhe contou [a partida] do arbusto? Que me diz da da boneca que lhe revelei? Sei mais, que com o tempo lhe contarei. Tudo considerado, penso que o A. Paredes aceitava as partidas com algum gosto, embora mostrando-se furioso e molestado. Não tinha daquilo no seu dia-a-dia lisboeta, sempre rotineiro e descolorido. Gostava, mas fazia sempre a sua parte...
(...)
Artur Paredes é, de facto, uma personalidade dificil de reconstituir. A minha opinião será um bocado suspeita porque não consigo esquecer que, quando menino, ele me acarinhava com ternura. E até pretendia que eu aprendesse a tocar guitarra, o que era missão impossível para quem, de tanto ouvir tocar bem, bem sabia que não valia a pena, pois nunca lá chegaria. Tive a honra de "conviver" com A. Paredes como criança, adolescente e já adulto. As recordações que dele guardo são a de um homem introvertido, doentiamente tímido, sem sentido de humor activo, sujeito a depressões, sem qualquer preocupação de exaltação do "ego" (a não ser da sua música, que ele considerava uma entidade terceira, digna de estudo e de respeito). A. Paredes era incapaz de desejar mal a alguém, por inveja ou desencontro. Mas era terrível, se o atacassem nas suas concepções musicais (não direi tanto "estéticas" ou culturais, pois a sua capacidade expositiva ou argumentativa era parca ou deficiente - quem bem sabia falar por ele era o Bettencourt, também uma alma tímida, que por isso o compreendia). Ou o Régio, que não falava, mas poetava frases lapidares, definidoras ( 2Ai choro com que o Paredes, vibrando os dedos em garra, despedaçava a guitarra, punha os bordões a estalar..."). Mas tenho de convir que A. Paredes era um homem muito difícil.
(...)*
A. Paredes não era um homem mau. Era uma personalidade complexa, melhor diria complexada. E não se pense que o Carlos, por contraponto ao pai, era o ser complacente e humilde, quase apático em matéria de controvérsias, que é a imagem que alguns dele guardam. Uma vez, estando eu a trabalhar no escritório com o meu Pai, entrou nele, de rompante o Carlos e quase sem nos cumprimentar, disparou: " O Fernando Lopes Graça é uma besta! Teve a ousadia de dizer que aquilo que eu faço não é Música! " Suprema ofensa, que ele, igualzinho ao pai, não podia tolerar .
Por aqui me fico, por hoje.
Um abraço
Afonso de Oliveira Sousa (Leiria, 30 de Novembro de 2006)
=/=
*Em acordo com o autor do e-mail supra transcrito, optei pela supressão deste parágrafo, cujo conteúdo mais familiar não importa agora revelar, AMNunes

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