quarta-feira, novembro 22, 2006

ANTÓNIO MENANO
(Fornos de Algodres, 05/05/1895; Lisboa, 11/05/1969)

III. O contrato de gravação de discos
Por José Anjos de Carvalho e António Manuel Nunes

Em 1926, na sequência da sua meteórica e invulgar carreira artística, para quem não fazia vida profissional da “arte”, António Menano foi convidado pela editora Odeon a celebrar um contrato de gravação de discos.
É da tradição oral local que as grandes companhias fonográficas estabelecidas em Portugal (Lisboa e Porto) no ano de 1925, fizeram os seus agentes percorrer Portugal numa autêntica intentona de “caça aos talentos”. A livre concorrência fazia com que as editoras descobrissem os artistas, lhes acenassem com aliciantes propostas de gravação e custeassem as deslocações aos locais de gravação (Porto, Lisboa, Paris, Londres, Berlim e Madrid), estadias e pagamento dos royalties.
No caso dos estudantes de Coimbra, os agentes da Odeon, Columbia, Polydor, His Master’s Voice, etc., realizaram uma espécie de sondagem de mercado, com base em informações e sugestões avançadas por ilustres locais e regentes da TAUC e Orfeon.
O primeiro estudante a entrar em estúdio na década de 1920, com discos comercializados em 1926, foi o aluno de Direito António Marques Batoque. Seguiram-se António Paulo Menano, José Paradela de Oliveira, Lucas Rodrigues Junot, Armando do Carmo Goes, Edmundo Alberto Bettencourt, Artur Almeida d’Eça, Afonso de Sousa e Albano Félix de Noronha, numa ofensiva que abraçou antigos estudantes (Paulo de Sá, Elísio de Matos e António Menano) e cultores não académicos (Antero Dias Alte da Veiga, Artur Paredes, Manuel Rodrigues Paredes, Alexandre Rezende, Flávio Rodrigues da Silva, Francisco Caetano e José Parente).
Não se conhecem as minutas de nenhum dos contratos de gravação assinados por estudantes e não estudantes no período 1926-1930, apesar de estarmos bem cientes que uma aturada pesquisa nos livros de notariado de Lisboa e Porto abriria portas a algumas pistas. Existiam em Portugal contratos mais antigos, relativos às gravações efectuadas a partir de 1904 por figuras como Manassés de Lacerda, Tomás Ribeiro ou Reynaldo Varela. Esses contratos assentariam numa minuta tipificada, semelhante à estrutura do contrato de gravação assinado por Carlos Gardel em Buenos Aires, no dia 12 de Abril de 1912, com a Columbia Phonograph Company (cf. «http://www.gardelweb.com/», artigo de Héctor Benedetti, “Apostillas al gardel de 1912”).
O clausulado, certamente idêntico ao que foi assinado na mesma conjuntura pelos artistas que gravaram para a Odeon, Columbia, Polydor, His Master’s Voice e outras, impõe um conjunto de normas restritivas favoráveis à editora. A Odeon, representada pelo agente Carlos Maria Ferreira Calderon, exige do cantor o exclusivo das gravações, abrindo as portas a um reportório abrangente que percorre canções ligeiras em moda, fados no estilo de Lisboa e temas de estilo conimbricense.
Contrariamente ao que possa pensar-se, António Menano não foi contratado para interpretar unicamente composições de Coimbra, não lhe assistindo sequer o direito de escolha dos instrumentistas com quem gostaria de trabalhar em estúdio. Por exemplo, na primeira gravação, agendada para os estúdios de Paris, em Maio de 1927, António Menano seguiu de comboio, sem qualquer contacto prévio com os instrumentistas que o iriam acompanhar, o guitarrista Flávio Rodrigues da Silva e o executante de violão Augusto da Silva Louro. Contratos assinados, a editora fez convergir para Paris os referidos instrumentistas, de forma a acessorarem as primeiras gravações de António Menano. Dado que o trabalho de acompanhamento não comportava arranjos, bastava já em estúdio o guitarrista perguntar ao cantor em que tom costumava vocalizar o tema a gravar. O mesmo aconteceu nas sessões seguintes, com a editora a indicar instrumentistas consagrados no Fado de Lisboa, como João Fernandes (g) e Mário Marques (v), e Armandinho (g) e Georgino de Sousa (v), ou Afonso Correia Leite, compositor e pianista ligado ao mundo do espectáculo e do teatro de revista na capital.
O clausulado não parece ter suscitado reserva ao cantor, pois de contrário não teria assinado o contrato, acto que fez de livre vontade. O documento foi assinado no cartório do notário Pedro Augusto Santos, sito na Rua Áurea, Lisboa, no dia 17 de Novembro de 1926, e dele se extraiu cópia em 29 de Outubro de 1936. Os termos do contrato que António Menano subscreveu são os seguintes.

«No dia dezassete de Novembro de mil novecentos e vinte e seis, em Lisboa, Rua Áurea cento e sessenta e cinco, e meu cartório perante mim Pedro Augusto dos Santos Gomes, notário da comarca e as testemunhas idóneas adiante nomeadas e assinadas, compareceram:--------------
Como Primeiro Outorgante, Doutor António Paulo Menano, casado, médico, morador em Fornos de Algodres, e de passagem nesta cidade, e Como Segundo Outorgante, Luiz da Silva Cardoso, casado, comerciante, morador na Rua Fernão Lopes, vinte e cinco, de Lisboa, outorgando na qualidade de sócio gerente e em representação da sociedade comercial em nome colectivo C. A. Cardoso & Companhia, com sede em Lisboa, e tudo consta do respectivo pacto social que vi e restituí, e Como Terceiro Outorgante, Carlos Maria Ferreira Calderon, casado, proprietário, morador na Rua Duque de Palmela, trinta e sete, segundo andar, de Lisboa, outorgando como agente exclusivo da Transoceanic Trading Company (marca de discos Odeon), pessoas cuja identidade certifico. E disseram os dois primeiros outorgantes: ---------------------------------
Que entre eles, nas qualidades em que intervêm, foi estabelecido que o primeiro outorgante cantasse exclusivamente para efeitos da reprodução da sua voz por meio da impressão de discos ou qualquer outro sistema, para a firma C. A. Cardoso & Companhia. Que por esta escritura estabelecem as condições e cláusulas que hão-de reger este exclusivo e são as constantes dos artigos seguintes:-------------------------------------------------------------------------------
PRIMEIRO
O primeiro outorgante concede à firma C. A. Cardoso & Companhia o exclusivo do seu canto, para o efeito industrial da reprodução da sua voz. ----------------------------------------------
SEGUNDO
Consequentemente, o primeiro outorgante obriga-se a cantar perante os instrumentos necessários para a impressão da voz, que lhe forem indicados pela firma segunda outorgante, que escolherá a casa impressora, obrigando-se o primeiro outorgante a não cantar para outrem e para o dito fim de reprodução da voz quer seja para a impressão de discos, quer de cilindros ou outros sistema de produção de voz que de futuro se venham a inventar. ------------------------
TERCEIRO
O primeiro outorgante obriga-se desde já a cantar para a impressão de discos de duas faces, de gramofone, canções portuguesas diferentes. ----------------------------------------------------
QUARTO
O primeiro outorgante receberá pela primeira gravação de cada disco de duas faces, para obter o galvano, com canções diferentes mil e quinhentos escudos, e além disso receberá por cada disco que for vendido por intermédio da firma segunda outorgante a quantia de dois escudos, que será representado pelo selo que ele apresentará aos segundos outorgantes para ser colocado quando do despacho dos mesmos discos na Alfândega. Esta quantia de dois escudos sofrerá as flutuações do cambio à data da venda do disco tomando por base o cambio equivalente de hoje sobre Londres. ---------------------------------------------------------------------------------------
QUINTO
A primeira gravação será de dez discos. Se esta der prejuízo à firma segunda outorgante, o primeiro outorgante compromete-se a fazer segunda gravação com novas músicas, ficando apenas o selo nas mesmas condições da primeira gravação, recebendo por cada disco aquilo que a firma C. A. Cardoso & Companhia indicar para cobrir do prejuízo da anterior gravação.--------
SEXTO
A firma C. A. Cardoso & Companhia obriga-se a por sua parte fazer no acto da gravação os pagamentos estipulados e a liquidar com o primeiro outorgante as importâncias do valor do selo nas vendas dos discos na altura da sua requisição e do despacho, independentemente dos direitos de autor. ------------------------------------------------------------------------------
Seguidamente, pelos segundo e terceiro outorgantes FOI DITO: Que estipulam e aceitam o seguinte: -------------------------------------------------------------------------------------

PRIMEIRO
O terceiro outorgante como agente exclusivo da Transoceanic Trading Company (Marca de discos ODEON), obriga-se nesta qualidade a fornecer exclusivamente à firma C. A. Cardoso & Companhia os discos que o primeiro outorgante, António Paulo Menano, gravar em qualquer fabrica da marca “Odeon” que ele representa, aos preços que vigorarem em Londres para os revendedores a retalho, com uma redução de cinquenta por cento. -----------------------------
SEGUNDO
Este contrato entre o terceiro outorgante e a firma C. A. Cardoso & Companhia durará até Abril de mil novecentos e vinte e nove, prazo da representação e agência da Transoceanic Trading Company como terceiro outorgante mas prolongar-se-á automaticamente como consequência de qualquer prorrogação que a mesma Transoceanic Trading Company faça ao terceiro outorgante ou que este fique representando como agente a dita sociedade. ---------------------------------
TERCEIRO
A firma C. A. Cardoso & Companhia obriga-se a comprar por ano ao terceiro outorgante pelo menos três mil discos, dos que forem gravados com a voz do outorgante António Paulo Menano, mas fica convencionado que se porventura o número destes discos for inferior àquele número, deverá a mesma firma comprar outros discos da mesma marca até atingir o número total de três mil. ---------------------------------------------------------------------------------------
Assim o disseram, outorgaram e mutuamente aceitaram, escolhendo para foro nas questões emergentes deste contrato o foro de Lisboa. ----------------------------------------------------
São testemunhas, Henrique Moreira, casado, comerciante, morador no Largo do Mastro, dois, segundo andar, e António Coelho Flor, solteiro, comerciante, morador na Rua dos Douradores, cento e setenta e oito, terceiro andar, de Lisboa. ------------------------------------------------
E eu, dito notário, esta escrevi, li em voz alta na presença simultânea de outorgantes e testemunhas que comigo assinam.»
(Seguem-se as assinaturas respectivas)

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