sábado, agosto 12, 2006


Silêncio na Serenata Posted by Picasa
Longe vão os anos em que podiam cantar na Sé Velha, sem aparelhagem de amplificação sonora fazendo-se ouvir à distancia as vozes de Augusto Camacho Vieira (década de 1940), Luís Goes ou Fernando Rolim (década de 1950), e José Miguel Baptista ou Fernando Gomes Alves (década de 1960).
Os anos setenta trouxeram as serenatas celebrativas da Sé Velha de volta ao imaginário coimbrão, mas reforçadas logo em 1978 por dispositivos tecnológicos de amplificação sonora.
Desde então, o debate sobre o ruído provocado pela assistência e os méritos e deméritos dos microfones manteve-se, ora mais vivaz, ora mais mortiço.
Ao longo da década de 1980, sobretudo nas serenatas monumentais da Queima das Fitas, a corrida a um lugar nos camarins do "La Scala de Coimbra" (degraus da Sé Velha, entenda-se)começava por volta das 16-17 horas da tarde, com os quintanistas em hora de adeus. A situação era agravada pelo progressivo desaparecimento das récitas de despedida dos quintanistas que no Domingo antes da Serenata Monumental deveriam levar à cena as suas récitas e cantar colectivamente em palco as baladas que anualmente se produziam para os cursos em despedida. A verdade é que, ausentes ou quase ausentes as récitas, as baladas de despedida acabavam por ser estreadas não nos palcos dos teatros de Coimbra mas sim em primeira mão na Sé Velha (5ª feira), com repetição no Sarau de Gala da 6ª feira. E mesmo quando cantadas no palco do Teatro Académico de Gil Vicente, em sede de Sarau de Gala da Queima das Fitas, os grupos que as tinham composto nunca chamavam ao palco os cursos em despedida para cantarem em coro as suas baladas. Todos estes erros (não vamos chamar-lhes "evolução") contribuíam para o congestionamento do escadório da Sé Velha, uma vez que os quintanistas e as quintanistas, mal expirava o acorde da "Balada de Coimbra", queriam gritar "eferreás" em nome dos seus cursos e abrir as pastas para lançar garbosamente ao vento as fitas largas.
Depois, a partir das 22:30 horas, o Largo da Sé Velha começava a encher-se com enxurradas de estudantes dos anos mais avançados e matilhas de caloiros de todos os cursos da UC que, de barriga cheia e bem avinhados, saíam directamente dos jantares de cursos para a serenata. Aos muitos alunos da UC acresciam antigos estudantes, familiares de alunos e académicos dos vários estabelecimentos de ensino superior existentes em Coimbra. Estes estudantes recém-chegados dos jantares de curso eram o pior público da serenata. De copos e garrafas na mão, vinham mais para cantarolar, discutir, gritar e beber, do que propriamente para ouvir a cantoria. Se houvesse transmissão televisiva, vinham armados de cartazes com dedicatórias maternas e acenos. E quanto mais posicionados nas extremidades do Largo onde nasciam as ruas circundantes e mercadejavam os bares abertos, mais estas chusmas de público bem jantado e bem bebido perturbavam a serenata com indisfarçável barulheira.
Cerca de 15 a 10 minutos antes da meia noite começavam a chegar os grupos convidados. Galgar as escadas e trepar ao patamar superior do portal da Sé era uma aventura. Havia guitarristas que faziam subir os estojos dos instrumentos de mão em mão, estes pairando sobre as muitas cabeças dos quintanistas.
Outro problema, por sinal mal gerido, que originava ruído e distracção nas serenatas, era a excessiva duração do evento. Na passagem dos anos 80 para os anos 90, as serenatas passaram a ter cada vez mais formações alinhadas. Por exemplo, na serenata a que se reporta este folheto (02/11/2000), actuaram quatro grupos: Saudades de Coimbra, com 3 temas; Guitarras do Mondego, com 6 temas; Eminium, com 5 temas; Coimbra de Sempre, com 6 temas. A programação é manifestamente exagerada, obrigando a uma duração de quase duas horas, geradora de desinteresse e convidando o público a atitudes de dispersão.
Um dos cultores que mais se preocupou com o excesso de barulho nas serenatas festivas conimbricenses foi Jorge Cravo, para quem haveria que retirar da Sé Velha qualquer material de amplificação sonora.
A questão do "barulho" em cerimónias e festividades está longe de constituir um problema especificamente coimbrão. Em tempos de poluição sonora como estilo de vida predominante nas sociedades ocidentais, os ruídos perturbadores invadem as salas de aula, as discotecas, as missas, os cinemas e os teatros, com os toques de telemóveis e as conversas paralelas a substiturem a comunicação artística.
Um estudioso das festividades populares portuguesas, Pierre Sanchis, demonstrou que nos concertos de arraial o público mais próximo dos palcos tende a adoptar posturas de comedimento, enquanto o público situado nas periferias dos recintos festivos se distrai com outras solicitações.
Sem solução à vista, a Sé Velha pode muito bem constituir uma tremenda desilusão para quem ingenuamente a procura nos tempos que correm: o Largo tornou-se demasiado pequeno para um público crescentemente massificado, as condições de audição dos grupos não são as ideais e o excesso de grupos alinhados cansa a outiva mais paciente.
AMNunes

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