quarta-feira, abril 19, 2006

Canção de Coimbra /Reflexões ( V I )


Legenda da Composição Fotográfica:

Memória /Momentos : “A Canção de Coimbra e o Coro dos Antigos Orfeonistas da U.C. “ Fundado em 1980 por antigos estudantes –Orfeonistas, que então comemoravam o centenário do Orfeon Académico de Coimbra, este Coro nasceu com duas motivações fundamentais: o gosto de cantar e o desejo de reavivar e continuar a cultivar os sentimentos de fraternidade e sã camaradagem que sempre foram apanágio deste Organismo Académico (“espírito orfeónico”).
O projecto cresceu, nos seus desígnios e legítimas ambições, sendo actualmente uma realidade cultural inquestionável na nossa cidade e no Pais. Como corolário natural desta realidade, o “Coro dos Antigos Orfeonistas”, hoje, assume-se e é justamente considerado como um digno e prestigiado “embaixador” da Lusa Atenas, da sua Universidade e das tradições que, no contexto universitário da Europa e do Mundo, enriquecem a sua História, já longa de mais de sete séculos...
A “Canção de Coimbra”, ocupando um lugar de relevo nestas tradições, sempre foi e continua a ser “acarinhada” pelo Coro dos Antigos Orfeonistas que, através do seu Grupo de Fados , assegura a divulgação desta faceta tão característica e prestigiante da música portuguesa, seja em concertos “normais”, seja em Momentos de “charme e/ou Solenidades”como os que são ilustrados pelas fotos : (A) Lisboa ( Palácio de Belém /Presidência da República, ) (1988) ; (B) Viena/Áustria ( Palácio dos Habsburgos, Baile das Debutantes ) (1998) ; (C) New York/U.S.A. (Sede das Nações Unidas -O.N.U.-Despedida do Seccretário Geral, Prof. Freitas do Amaral) (1996) ; (D) Hannover/Alemanha ( Feira Mundial-Dia de Portugal (2000).

José Mesquita*

Canção de Coimbra : “Um modo de cantar”…

Falávamos, no último artigo, de : “matriz ou raiz coimbrã da nossa Canção que ninguém definiu objectivamente…, e ainda bem !...”

Contudo, e apesar da “árdua definibilidade da Canção de Coimbra “ de que, muito acertadamente, fala Armando Carvalho Homem (12), não nos abstemos de referir alguns dos “ingredientes” que, na nossa perspectiva, ( e sublinhamos : na nossa perspectiva e sem quaisquer intuitos “doutrinários” ) contribuem para uma matriz genuinamente Coimbrã . Diremos então que, nesta matriz, pode sobressair a saudade, mas sem saudosismo ; a alegria sadia do canto popular, mas sem tiques de cançonetismo populista ; a melancolia ou mesmo tristeza, mas sem “ nuances” mórbidas ; o espírito de luta, revolta ou crítica social, mas sem agressividades descabidas ou pseudo-revolucionárias ; o dramatismo natural, porque profundamente sentido, mas sem expressões ensaiadas e ridículas; mas, acima de tudo, e acentuamos, acima de tudo, estará o lirismo, o romantismo, portadores de doce enlevo, arrebatamento ou paixão, que ora se alternam ora se conjugam num canto amoroso e “enxuto”, saudavelmente assumido pelo intérprete, e onde, portanto, não caberão eventuais “trejeitos adocicados” ou outras “pirosices” de gosto duvidoso… ou não fosse a influência trovadoresca, uma das mais credíveis na complexa polémica das origens da nossa canção…

– A matriz ou raiz coimbrã será então a pedra basilar em que assenta toda a “Canção de Coimbra”… Nesta matriz, porém, caberão timbres vocais, versões interpretativas e “formas poéticas” muito diferentes umas das outras. A sua riqueza reside precisamente nessa diversidade de expressão a que os intérpretes podem recorrer para exteriorizar emoções, transmitir mensagens, enfim, corporizar no canto os seus “estados de alma”…
Em concordância com esta linha de pensamento, uma vez apreendida a matriz, todas as suas novas expressões, já divulgadas ou que venham a surgir (como consequência natural do dinamismo do meio académico) serão contributos válidos para o enriquecimento da “Galáxia Sonora da Canção Coimbrã”( 12 )… porventura, bem mais meritórios do que repetições monótonas e estéreis ( com ilusórias potencialidades pedagógicas) de “estereótipos”, tantas vezes, apelidados como únicos e legítimos representantes do “genuíno”, do “verdadeiro” fado de Coimbra !...
Saliente-se que há muito defendemos esta visão dinâmica da Canção de Coimbra, pois já em 1983 escrevíamos, em jeito de apelo aos jovens estudantes :…” O futuro da Canção de Coimbra está nas vossas mãos : escutai as antigas melodias para captar as “raízes” e, a partir daí, de “jeans” ou de capa, com guitarra ou viola, dai largas à vossa sensibilidade, deixai “voar” a imaginação na escolha dos poemas ou na criação dos temas musicais e estou certo que a nossa, a vossa canção, não morrerá…” (sic) ( 3 ).
Diga-se ainda que, ao contrário do que por vezes se quer fazer crer, a riqueza interpretativa da Canção de Coimbra que aqui defendemos não é uma “modernice intempestiva”, mas, muito pelo contrário vem de muito longe!... Basta lembrar António Menano e a geração de ouro que se lhe seguiu (anos 20-30), na qual, para além de E. Bettencourt (com características únicas e muito peculiares) sobressaíram Armando Goes, Paradela de Oliveira e Lucas Junot os quais, no dizer do seu companheiro Afonso de Sousa (e confirmado nos registos discográficos que nos chegaram) eram três cantores fortemente personalizados, com timbres e formas de interpretação muito diferentes. Isto, para não falar das vozes abaritonadas de Serrano Baptista e Almeida d’Eça que foram seus contemporâneos e se lhe seguiram. Muitos outros exemplos, mais próximos de nós (anos 50 e 60), ilustrariam igualmente bem esta diversidade de formas de expressão na “Canção de Coimbra”. Pelo seu maior impacto, relembramos apenas três dos maiores vultos da nossa canção na segunda metade do séc. XX – Machado Soares, José Afonso (1.º fase – 1958/1966) e Luís Goes – que produziram música e personificaram interpretações aparentemente tão diferentes umas das outras, mas, simultaneamente, tão próximas na sua matriz de “ sabor Coimbrão”!...
Por isso, em nossa opinião, não há que ter receio da diversidade, da heterodoxia, pois a “matriz da canção coimbrã”, ao longo da sua História, já provou ser suficientemente abrangente para assimilar “propostas”, por vezes, bem diferentes dos modelos ditos tradicionais.
Neste contexto, não consideramos vantajosas, nem sequer saudáveis , para a “nossa canção”, quaisquer atitudes de cariz reducionista tendentes a “entronizar” eventuais paradigmas ou “estigmatizar” outros…Assim, não nos parecem suficientemente fundamentadas as críticas, vindas a lume recentemente, sobre a introdução de novos instrumentos no acompanhamento da “Canção de Coimbra”…Além do mais, nem sequer se trata de um grande “desvio” da tradição, na “vertente académica “ do fado de Coimbra, pois já António Menano o tinha feito há quase um século !...Aliás, estamos convictos de que as novas sonoridades e/ou “ambiências” que esses instrumentos ( desde que criteriosamente seleccionados e utilizados…) poderão vir a proporcionar à “Canção de Coimbra”, serão bem mais determinantes e eficazes na sua almejada renovação, do que a procura “obsessiva” de “soluções musicais” complexas, não raro, claramente desajustadas à “matriz” atrás referida…
A este propósito, parece-nos pertinente referir Ruben de Carvalho ( 13 ) que no seu livro sobre o fado lisboeta escreve, e passamos a citar: “o Fado é, antes de tudo o mais, uma forma de cantar que utiliza um tipo determinado de vocalizações e recursos do canto (trinado, glissando e rubato) para interpretar um texto, improvisando uma melodia (estilar) sobre uma base harmónica fornecida pela guitarra e pela «viola”…Então, as inquestionáveis diferenças entre fados de Lisboa e de Coimbra, não estarão tanto nos temas, nas melodias, nas construções musicais das peças cantadas, mas sim no modo como são cantadas e interpretadas… teremos assim o Modo Lisboa vs Modo Coimbra.

Em suma: a Canção de Coimbra é tão somente um modo de cantar…

Então, para finalizar, uma última questão poderia ser levantada: Quais os pré-requisitos ou condições para captar este “modo de cantar”?! Durante muito tempo pensámos, como tantos outros, que a vivência em Coimbra era absolutamente imprescindível a essa “captação”. Actualmente, porém, sem negarmos o papel positivo desta vivência, pensamos que , com a acentuada mudança da realidade no meio académico coimbrão, a sua influência é, certamente, muito menos decisiva … Correndo o risco, embora, de contrariar a «costela coimbrinha» de quantos, como nós, se sentem sentimentalmente e por vezes acriticamente ligados à nossa cidade e em abono do que consideramos a verdade dos factos, diremos: para “assimilar o espírito do canto coimbrão” não basta viver ou ter vivido em Coimbra … e o inverso também é verdade ou seja: não viver ou não ter vivido em Coimbra não será óbice absoluto a essa capacidade… Na Historia do fado de Coimbra (vertente académica), aliás, não faltam exemplos que apoiam esta asserção, seja na faceta interpretativa, seja na componente poético-literária…
O que importa é não esquecer que o “Fado/Canção” ( seja no “modo-Lisboa”, seja no “modo-Coimbra”) é, antes do mais, a expressão de sensibilidades, a exteriorização de emoções que, por serem subjectivas, serão necessariamente diferentes umas das outras…É esta característica fundamental, esta riqueza emocional, que o individualiza, relativamente a outros géneros musicais, e explica o seu sucesso, cada vez maior, no âmbito da “world music”.

* Cultor da Canção de Coimbra ( canto e composição ).

Bibliografia
(1) In”História do Fado de Coimbra” ( DVD ) estem LOSANGO 2004.
(2) « Diário de Coimbra, 7/6/1999
(3) « Semanário “O Jornal “ ( Supl. Educação ), 12/1983
(4) « Semanário “O Jornal”,8/3/1985
(5) « Expresso ( Única ),nº 1703, 18/6/2005
(6) « Separ./Comissão Municipal de Turismo ( 1981)
(7) «”Diário As Beiras”( 21/9/05 )
(8) «”Diário As Beiras” ( 17/04/2001 )
(9) «”Jornal de Coimbra” ( 21/05/1997 )
(10) «”O Fado do Público,nº7,Fados e Baladas de Coimbra”,Ed.Arte,S.A.
(11) «”Cadernos de Reportagem nº 2, Edições Relógio d’Água,Ltd
(12) «”Coimbra dos Poetas…(duplo Cd/ José Mesquita, dist. Loja da Música /folheto) ( 1999)

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