sábado, março 11, 2006

DOBADOIRA
Música: D. José Pais de Almeida e Silva (1899-1968)
Letra: António Maria de Sousa Sardinha (1888-1925)
Incipit: A dobadoira gira, gira, gira (1923)
Origem: Coimbra
Data: 1925

*
A dobadoira gira, gira, gira,
- A dobadoira, alegre, vai girando...
Na febre do dobar em que delira,
Só tu é que a deténs de quando em quando.

Recorda o seu murmúrio o duma lira,
- O seu murmúrio tão discreto e brando,
E a dobadoira gira, gira, gira,
- E a dobadoira, alegre, vai girando.

E gira alegremente a dobadoira...
Que sonhos de oiro dobará, Senhora,
Girando sempre alegre, sempre assim?

Entregue ao seu rumor de rola mansa,
Não pára, não se queixa, nem se cansa,
- Que o sonho que ela doba não tem fim!

Canta-se o texto sem repetir verso algum.
Esquema do acompanhamento:
1º dístico: Dó maior /// 2ª Dó, Dó maior;
2º dístico: 2ª Dó, Dó maior /// Mi menor, 2ª Mi, Mi menor;
3º dístico: Ré menor, (Fá maior), Dó maior /// Ré menor, Dó maior;
4º dístico: Dó maior /// 2ª Dó, Dó maior;
5º dístico: Dó maior, 2ª Dó, Dó maior, 2ª Dó, Dó maior /// Ré menor, 2ª Ré, Ré menor, 2ª Ré, Ré menor;
6º dístico: 2ª Dó /// Dó maior, 2ª Dó, Dó maior;
7º dístico: Ré menor, (Fá maior), Dó maior /// 2ª Dó, Dó maior;

Informação complementar:
Este soneto veio a lume sob o título “Melodia Simples”, inserta no livro Chuva da Tarde, Lumen, 1923. A versão que se apresenta é um translado da matriz fonográfica registada por Luiz Goes em 1952, a qual difere ligeiramente da original presente na obra “Antologia Poética de António Sardinha”, Colecção Poesia e Verdade, Guimarães Editores, 1960.
Lied conimbricense em forma de soneto, composto por D. José Pais, primeiramente gravado por Armando do Carmo Goes na His Master’s Voice, Lisboa, a 21 de Setembro de 1928. Esta matriz funcionaria como uma das faces do 78 rpm onde seria prensado o soneto “Rezas à Noite”, cuja música é do antigo estudante José Coutinho de Oliveira. Em nossa opinião, Armando Goes interpretou o tema em compasso 4/4 e tom de Ré Maior (um tom acima de seu sobrinho Luiz Goes), acompanhado em violão de cordas de aço por Afonso de Sousa. O certo é que estes dois sonetos não chegaram a entrar no circuito comercial. De acordo com informações prestadas por Afonso de Sousa, Armando Goes efectuou a sessão de 21/09/1928 em limitativo estado febril (notório na tremura vocal de alguns fonogramas) e terá rejeitado estas duas matrizes com os olhos postos numa segunda gravação que já não chegou a realizar. Por volta de 5 de Setembro de 1929 Armando Goes realizou uma derradeira sessão fonográfica com quatro composições, mas nenhuma delas comportava “Dobadoira”. Por seu turno, D. José Pais também gravou em 5/09/1929 pelo menos umas 7 composições, nelas se incluindo os sonetos “Rezas à Noite” (melodia de José Coutinho de Oliveira) e “Dúvida” (desconhecido, presumimos que tivesse música de D. José Pais), sem que tenha dedicado espaço a “Dobadoira”.
O autor da letra, António Sardinha, nasceu em Monforte, Alentejo, no ano de 1888, tendo falecido em Elvas em 1925. Diplomado pela Faculdade de Direito da UC em 1911, Sardinha transitou dos sectores estudantis anarco-republicanos e positivistas mais radicais para estruturas mentais hiper-conservadoras tributárias do despotismo esclarecido. Sardinha é considerado patriarca e figura de proa do Integralismo Lusitano, movimento antiliberal, antiparlamentar, monárquico-absolutista e ultranacionalista, fundado em Coimbra a 8/04/1914 (revista “A Nação Portuguesa”). Este movimento conquistou um vasto número de adeptos em todo o país, com destaque para os meios universitários. Após a morte de António Sardinha, ocorrida a 10/01/1925, o Integralismo Lusitano perdeu fulgor, tendo sido oficialmente dissolvido em 1933. Não deixaria, porém, de influenciar profundamente a ideologia e o programa do Estado Novo. Não sendo um militante activista, Armando Goes (1906-1967) era um simpatizante do movimento e um leitor atento da produção literária dos doutrinadores do Integralismo. Daí a sua adesão a este soneto de António Sardinha, cuja autoria e conteúdo devem ser devidamente contextualizados. Sardinha faz a apologia das virtudes da vida rústica tradicional e do ideal doméstico português, ruralidade essa comungada por Armando Goes.
Não foi seguramente alinhado por estes quadros mentais que o jovem estudante Luiz Goes apostou na redescoberta e divulgação deste esquecido soneto. Luiz Goes pretendia então criticar o academismo estético instaurado em Coimbra, insinuando que a CC era bem mais do que o universo arqui-aplaudido das composições estróficas. A melodia é bastante conseguida, indo D. José Pais ao ponto de sugerir crescendos vocais ilustrativos do movimento giratório da dobadoira dos antigos e matriarcais serões do amanho do linho e da lã.
Soneto gravado em 1952 por Luiz Goes, então estudante de Medicina, em compasso 4/4 e tom de Dó Maior, acompanhado em 1ª e 2ª guitarras de Coimbra de 17 trastos por António Brojo/António Portugal e, em violão de cordas de aço por Aurélio Reis/Mário de Castro: disco de 78 rpm Melodia, 15.092 – F.P.D. 215. No disco constam as autorias da música e da letra, indicando-se erradamente como hipótese classificativa “fado-canção” (sic). O arranjo é da autoria de António Brojo. Disponível em extended play (Melodia, EP-85-6, de 45 rpm) e em long play (Alvorada, LP-04-17); também em compact disc:
-CD nº 45/”O Melhor dos Melhores – Fados de Coimbra”, Movieplay, MM 37.045 editado em 1994;
-CD Nº 30/”Clássicos da Renascença”, Movieplay, MOV. 31.030, editado em 2000;
-CD “Fados e Guitarradas de Coimbra”, Vol. 2, Movieplay, MOV. 30.425/B, editado em 2001;
-“Luiz Goes. Canções para quem vier. Integral (1952-2002)”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 7243 5 80297 2 7, ano de 2002, CD nº 1, Faixa nº 1.
Gravado novamente em 1983 por Luiz Goes, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe Roxo Ferreira (LP nº 3 do Album Tempo(s) de Coimbra; nesta gravação, no 1º e no 7º versos, a letra vem modificada em relação à cantada na 1ª gravação e afasta-se mais da letra original. Disponível em compact disc:
-CD “Tempo(s) de Coimbra”, disco 2, EMI 0777 7 99609 2 7 , editado em 1992 e reeditado em 2005.
Exceptuando Luiz Goes, não conhecemos qualquer gravação desta obra em vozes de outros cantores.
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2006)
Texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Afonso de Sousa, José Moças (Tradisom), Eng. Mário Henriques de Castro (04/09/1918; 01/03/2003), Dr. Jorge Cravo Posted by Picasa

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