terça-feira, março 07, 2006


Carneiro da Silva Posted by Picasa
Retrato de Armando Carneiro da Silva, derradeiro conimbógrafo de uma geração de notáveis onde pontificaram José Pinto Loureiro e Octaviano do Carmo e Sá. Nasceu em Coimbra, na Freguesia da Sé Nova, a 7 de Fevereiro de 1912, tendo falecido na sua terra natal no dia 5 de Março de 1992.
Foi autor de dezenas de trabalhos, alguns de valia insuperável e de consulta obrigatória, tendo exercido funções de 2º Director da Biblioteca Municipal de Coimbra. Não contando mais do que a frequência da antiga escola profissional de Avelar Brotero, Carneiro da Silva era senhor de considerável erudição, não temendo a leitura dos ingratos palimpsestos municipais de antanho. Homem de cultura, sólido e fecundo produtor de cultura, Carneiro da Silva metia no bolso de uma assentada muitos técnicos diplomados e seguramente a "geração zéza" filha da malfadada reforma Ana Benavente/Eduardo Marçal Grilo.
Possuía na sua casa de habitação da Rua António José de Almeida milhares de fichas manuscritas e variadíssimos documentos. O seu gabinete fazia lembrar os "scriptoria" dos laboriosos monges de outrora.
No que respeita à História da Canção de Coimbra, Carneiro da Silva publicou em 1955 uma obra rara e esgotada, "As Récitas do V Ano", monografia que durante meio século passou ao lado dos investigadores, dado que leitura crítica concluída não é possível continuar cegamente a dizer que o repertório do "chamado Fado de Coimbra" é constituído apenas por "fados estróficos".
Convivi com Carneiro da Silva assiduamente, quer num gabinete de trabalho situado num prédio sobranceiro aos Paços do Concelho (onde lamentava não ser mais utilmente aproveitado), quer na sua casa da António José de Almeida. Em 1988-1989, Carneiro da Silva facultou-me fotocópias de dezenas de partituras musicais, através do seu amigo e fotógrafo Varela Pécurto com quem viria a trabalhar estreitamente em 1999. Foi também na sua casa que vislumbrei as insígnias da praxe de Antero de Quental. Carneiro da Silva disse-me taxativamente que por sua vontade, as partituras, as insígnias de Antero e diversos sobre as tradições académicas, estavam destinados ao Museu Académico.
Reformado, Carneiro da Silva não sabia estar em casa e muito menos inactivo. A sua figura aprumada, de farta cabeleira branca, memória prodigiosa e erudição cintilante, parecia incomodar a nova geração de técnicos ligados à Biblioteca Municipal e ao Pelouro da Cultura. Por seu turno, Carneiro da Silva sentia-se injustamente desaproveitado. Não o desperdiçou a Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra que logo o fez sócio honorário. A ele se devem, por exemplo, dezenas de preciosas fotografias captadas em directo durante as demolições estatais da Velha Alta. Com parte substancial dos documentos de Carneiro da Silva se editou o álbum fotográfico "A Velha Alta Desaparecida" (1984).
Após o falecimento de Carneiro da Silva, pelo menos uma parte da documentação chegou a estar em Aveiro, em casa de seu filho Eng. Carneiro da Silva.
Sem querer entrar em polémicas que não me dizem respeito e cujos contornos obscuros ignoro, creio que Carneiro da Silva, no seu muito amor a Coimbra e às coisas da edilidade, desejaria doar os seus ficheiros à Biblioteca Municipal, ou porventura ao Arquivo Municipal (que aliás organizou). Mas ínvios são os caminhos. Em 2004 o Eng. Carneiro da Silva doou à Santa Casa da Misericórdia de Coimbra a parte mais substancial da documentação paterna. Em Fevereiro de 2006, numa visita ao Museu Académico, chamou-me a atenção uma vitrine com as insígnias da praxe de Antero de Quental. Não deixei me me alegrar e comover com uma tal visão. Por momentos vi-me de novo a manuseá-las sobre a mesa da sala de Carneiro da Silva, tendo na mente uma âncora de pedra junto a um banco do Campo de São Francisco de Ponta Delgada onde se lê a palavra "esperança". Ali se suicidou Antero. Quando terminou o curso (1864), Antero deixou alguns pertences em Coimbra, na casa de seu tio Filipe de Quental (1824-1892). Foi por intermédio de Filipe de Quental, lente de Medicina, que as insígnias da praxe de Antero (moca de madeira exótica e palmatória) permaneceram em Coimbra, tendo chegado às mãos de Carneiro da Silva, com actual depósito no Museu Académico.
Para saber mais sobre Carneiro da Silva veja-se o bem documentado texto de António Gonçalves, "Armando Carneiro da Silva. Bibliotecário e investigador", revista MUNDA, Nº 35, Maio de 1998, págs. 81-96.
AMNunes

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