sexta-feira, janeiro 20, 2006


Retrato de Família: O Lereno Posted by Picasa
O investigador brasileiro José Ramos Tinhorão editou recentemente uma monografia sobre a vida e obra do Padre Caldas Barbosa, "um ausente da história", conforme enuncia logo nas páginas de abertura. Bastante citado pelos estudiosos das Modinhas e Lunduns de finais do século XVIII como activo cultor e executante de viola de arame nos meios lisboetas, Caldas Barbosa não é propriamente um desconhecido nos meios eruditos conimbricenses. Na verdade, a sua biografia fora resgatada em linhas muito sumárias no velho "Dicionário de Inocêncio", por Teófilo Braga na "História da Literatura Portuguesa", e pelo antigo guitarrista Dr. Francisco da Silveira Morais, em "Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil", Suplemento da Revista BRASÍLIA, Volume IV, Coimbra, 1949. Uma súmula biográfica de Barbosa veio publicada na revista RUA LARGA, Nº 33, Coimbra, 25 de de Novembro de 1959. Nestes textos se referem dados como o nascimento deste antigo estudante mulato no Rio de Janeiro, as matrículas na UC entre "1763-1767" (sic), a sua faceta de poeta, o seu trabalho como Capelão da Casa da Suplicação e o falecimento em Lisboa, a 9 de Novembro de 1800.
Tinhorão indica, como data mais provável para o nascimento de Caldas Barbosa o ano de 1740, na cidade do Rio de Janeiro (e não 1738). O filho de António de Caldas Barbosa e de Antónia de Jesus frequentou o Colégio dos Jesuitas do Rio e participou numa expedição militar à Colónia do Sacramento em 1761. Em inícios de Outubro de 1763 veio frequentar a aula de Instituta, com vista à sua inscrição na Faculdade de Leis da UC. Em 1764-65 matriculou-se em Leis, sempre com irregularríssima assiduidade. Barbosa radicou-se em Lisboa a partir de 1768. Em 1779 foi sagrado padre, após o que recebeu nomeação para o cargo de Capelão da Casa da Suplicação. Contrariando as conclusões de Manuel Morais, Prof. de Música na Universidade de Évora (nomeadamente "Muzica escolhida da Viola de Lereno. 1799. Estudo introdutório e revisão de Manuel Morais", Lisboa, ESTAR, 2003), para o qual não há a menor prova de que O Lereno fosse o autor das músicas das modinhas e lunduns que interpretava, Tinhorão insiste fortemente nas versáteis facetas de Caldas Barbosa como cantor, tocador de viola de arame, poeta repentista e autor de peças de teatro.
Tinhorão acentua ainda o preconceito racial que em Lisboa rodeou Caldas Barbosa. Com efeito, este mulato, filho de pai português branco e de antiga escrava negra, não escapou a violentos e sanguinários ataques assinados por Bocage nos "Sonetos". Curiosamente, as entrelinhas dos sonetos acabam por revelar-se ricas em informações sobre o cantor e tocador Caldas Barbosa como figura aplaudida nos salões árcades de Lisboa.
Pena é que a publicação autografada por Tinhorão não traga em anexo alguns exemplos de partituras musicais relacionadas com o nome de Caldas Barbosa. Tendo em conta o percurso acidentado e nómada deste padre que foi soldado, poeta, estudante, tocador de viola, autor de textos teatrais, músico amador e consolador de almas, não podemos aceitar que Caldas Barbosa tenha passado por Coimbra sem exercer a sua arte. Assim repostas as coisas, Domingos Caldas Barbosa pode e deve ser lido como uma figura da Proto-Canção de Coimbra. Na falta de outras obras, ouçam-se "Triste Lereno" e a comovente e autobiográfica modinha com refrão "Quando eu não amava": CD "Segréis de Lisboa. Modinhas e lunduns dos séculos XVIII e XIX", Lisboa, Movieplay, MOV. 3-11042, ano de 1997, faixas 4 e 9. O facto de as partituras manuscritas não trazerem nos cabeçalhos explicitamente "música e letra de Domingos Caldas Barbosa" não configura em si mesmo um factor automático de exclusão autoral. "Muzica escolhida da viola do Lereno" já refere quanto baste que são obras de Lereno, ou seja, de Caldas Barbosa, sem que isto constitua prejuízo para as cautelas a haver com o manuseio das fontes.
Se pedíssemos a um grupo de CC para reconstituir "Quando eu não amava", o que diríamos dos resultados? Surpreendentes? Nem tanto, se relermos cuidadosamente Francisco Faria ("Fado de Coimbra ou Serenata Coimbrã?", Coimbra, 1980).
Imagem: capa da obra de José Ramos Tinhorão, "Domingos Caldas Barbosa. O poeta da viola, da modinha e do lundu (1740-1800), Lisboa, Caminho, 2004 (retrato trabalhado a partir de uma gravação de Laré, feita em 1851 sobre uma gravura que acompanhava a 1ª edição de "Viola do Lereno" de 1798).
AMNunes

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