sexta-feira, outubro 21, 2005

DISCOGRAFIA DE JOSÉ DIAS COM AS RESPECTIVAS LETRAS QUE CONHEÇO

Por José Anjos de Carvalho

José Dias, ou José(zito) Dias, gravou na década de 20, mais concretamente em Maio de 1927 e em Outubro de 1928, um total de 5 discos de 78 rpm. Foi acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá mas, à viola, não há garantia de quem foi e, além disso, subsistem algumas dúvidas sobre quem seja o cantor José Dias.
Na Internet, nas biografias dos Cantores de Fado de Coimbra, ele é identificado como sendo José do Patrocínio Dias Presunto (Covilhã, 23-07-1884; Fátima, 24-10-1965). A ser assim, trata-se de D. José do Patrocínio Dias, o Bispo-Soldado, que foi aluno do Colégio S. Fiel dos Padres Jesuítas, da Guarda, depois da Faculdade de Teologia entre 1902 e 1907, ano em que concluiu a formatura e se ordenou presbítero. Cónego em 1915, é nomeado capelão do CEP na guerra de 14-18 e daí o epíteto de Bispo-Soldado. Em 16-12-1920 é eleito Bispo de Beja pelo Papa Bento XV.
Que D. José do Patrocínio sabia cantar e tocar guitarra, é voz corrente, mas que seja ele a mesma pessoa que gravou discos sob o nome de José Dias… eu, pelo menos, não sei, tenho dúvidas e gostaria de sobre este assunto ter provas evidentes e irrefutáveis.
Tenho uma biografia de D. José do Patrocínio Dias da autoria de C. J. Gonçalves Serpa, com mais de 500 páginas, impressa na União Gráfica, Lisboa, 1959, que não contém qualquer referência ao assunto, mas este facto também não me dá garantias que não seja a mesma pessoa. Na dita biografia o apelido «Presunto» também não consta, nem mesmo quando refere os nomes de seus pais que, no caso da mãe, Claudina dos Prazeres, não indica qual seja o apelido.
A ser verdade tratar-se da mesma pessoa, então D. José do Patrocínio, das duas vezes que gravou, ter-se-ia servido de um artifício ao utilizar, para efeitos da sua não identificação, o nome artístico de José Dias, quando afinal já há sete anos que era Bispo de Beja e, quando da segunda gravação, há oito.
No n.º 44 da Série II de O Notícias Ilustrado, de 14 de Abril de 1929, vem um extenso inquérito sobre «Fado», com bastantes depoimentos e várias fotografias desenhos e caricaturas. Na parte respeitante a gravações para a His Master’s Voice, refere os nomes dos cantores José Dias, Elísio de Matos, Armando Goes e Paradela de Oliveira. Traz vários retratos mas, dos cantores aqui referenciados, só figuram os retratos de Armando Goes e de Paradela de Oliveira.

José Dias foi acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá mas, à viola, o nome do acompanhante não é revelado no disco, só consta o nome de Paulo de Sá. Teria sido o Professor Doutor José Carlos Moreira? É que este Mestre de Coimbra tocava viola, era muito amigo de Paulo de Sá e sabe-se seguramente que nas gravações de Elísio de Matos, de quem também era amigo, foi ele quem o acompanhou à viola, desejando contudo que o seu nome não figurasse nos discos, o que realmente aconteceu.
José Dias gravou inicialmente 4 discos de 78 rpm, em Maio de 1927, para a His Master’s Voice, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, à viola, admito que possa ter sido o Prof. Dr. José Carlos Moreira (v. epígrafe «Discografia de Elísio de Mattos e respectivas letras», neste blog).
A relação destes primeiros quatro discos e respectivos compositores figura no «Catálogo para Portugal de Discos His Master’s Voice», referente a 1928, edição do Grande Bazar do Porto, impresso nas oficinas de “O Comércio do Porto” (pág. 5/71) e por isso os posso aqui indicar com segurança pois, desses discos, só tenho um. Relativamente ao acompanhamento, o disco que tenho diz taxativamente o seguinte: “com acompanhamento de guitarra por Paulo de Sá e violão”, o que indicia ter havido intenção de omitir o nome do tocador de viola.
Tais discos foram inicialmente fabricados em Barcelona pela Compañia del Gramófono mas, como já pertencem à série «E.Q.», privativa do Grande Bazar do Porto, isso significa que foram produzidos depois da implementação do acordo de 1928 estabelecido entre a His Master’s Voice e o Grande Bazar do Porto.
José Dias voltou a gravar em Outubro de 1928 mas apenas foi editado mais um disco.

Gravações de Maio de 1927
Disco Gramófono, E.Q. 26
Disco His Master’s Voice, E.Q. 26
2-62567 – Fado da Mentira (Ninguém conhece no rosto) Alexandre Rezende
2-62568– Fado do Luar ( ) Paulo de Sá

Disco Gramófono, E.Q. 27
Disco His Master’s Voice, E.Q. 27
2-62569– Fado Patriótico (Já se ouviu de serra em serra) António Menano
2-62570– Fado Triste ( ) Alexandre Rezende

Disco Gramófono, E.Q. 28
Disco His Master’s Voice, E.Q. 28
2-62571– Fado do Mondego ( ) Alexandre Rezende
2-62572– Fado de Coimbra ( ) Paulo de Sá

Disco Gramófono, E.Q. 29
Disco His Master’s Voice, E.Q. 29
2-62573 – A Maior Dor (Dizem que as mães querem mais) Paulo de Sá
2-62574 – Fado da Montanha (Quem por amor se perdeu) Alexandre Rezende

Gravações de Outubro de 1928
Disco His Master’s Voice, E.Q. 150
Fado da Minha Mãe (Minha mãe é pobrezinha)
Fado do Mar Largo (Ó mar largo, ó mar largo)


LETRAS

FADO DA MENTIRA (Ninguém conhece no rosto)
Música: Alexandre Rezende
Letra: (?)
Edição musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1927

A letra que figura na edição musical e que, admito, poderá ser a cantada por José Dias, uma vez que não disponho do disco, é a seguinte:

Ninguém conhece no rosto
O que a nossa alma inspira…
A vida é gosto e desgosto,
Mentira, tudo mentira.

A minh’alma, coitadita,
Não tem vestes, anda nua…
Oh! Por Deus, dá-lhe um abrigo,
Dá-lhe um cantinho da tua.

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Gravado por José Dias em Maio de 1927 (Discos Gramófono, E.Q. 26 e His Master’s Voice, E.Q. 26).

Como disse, a letra que se apresenta é a que consta na edição musical da casa Sassetti & Cª., copyright de 1927, que é também a gravada por António Menano. Esta edição musical é omissa quanto à autoria da letra mas, em contrapartida, traz bem patente a indicação «Célebre fado cantado por António Menano».

António Menano gravou este fado em Maio de 1927, em Paris (Discos ODEON, 136.811 e A136.811, master Og 583). Gravação disponível em vinil (Álbum de Fados de Coimbra – António Menano, Vol. I, 1º disco, editado em 1985). Disponível também em compact disc:
Heritage HT CD 31, da Interstate Music, editado em 1995;
Arquivos do Fado/Tradisom, Vol. V, TRAD 012, cópia do anterior, editado em 1995;
CD António Menano – Fados, Vol. II, editado em Dezembro de 1995, com etiqueta Odeon.
Anota-se que entre o 3º e o 4º verso de cada estrofe António Menano introduz-lhes o vocalizo “ai”, no seu jeito habitual.

Vários têm sido os cantores, uns de Coimbra, outros não, que têm cantado e gravado este fado. Alguns alteram-lhe o título e/ou a letra, indo buscar para 2ª estrofe a célebre quadra popular Fiz uma cova na areia, do FADO DA MÁGOA, gravado por António Menano, e até uma quadra do Fado dos Beijos: Se tu quisesses ser minha. Algumas gravações disponíveis em compact disc de outros cantores:
CD Orfeão Académico de Coimbra, Ovação, OV-CD-012, de 1991 (canta Sutil Roque);
CD António Vecchi – Guitarra chora baixinho, Movieplay, 30.279, editado em 1992;
CD Melro – Janita Salomé, Movieplay, MP 13.001, editado em 1993;
CD Fernando Machado Soares; Philips, 838 108-2, compilação de gravações de 1986 e 88;
CD Fados e Guitarradas de Coimbra, Movieplay, MOV. 30.425/A, editado em 2001 (canta Adriano Correia de Oliveira).


FADO DO LUAR ( ? )
Música: Paulo de Sá
Letra: (?)
Edição musical: (?)

Informação disponível:
Gravado por José Dias, “com acompanhamento de guitarra por Paulo de Sá e violão” (Discos Gramófono, E.Q. 26 e His Master’s Voice, E.Q. 26).
Não sei que fado seja, não tenho o disco nem outros elementos mais que possa fornecer.


FADO PATRIÓTICO (Já se ouviu de serra em serra)
Música: António Menano (c. 1918), dedicada «Ao muito amigo Vasco Macieira»
Letra: Alfredo Fernandes Martins (c. 1917-1918)
Edição musical: Salão Mozart, de P. Santos & Cª

A letra que figura na edição musical e que admitimos poder ser, no todo ou em parte, a cantada por José Dias, uma vez que não disponho do disco, é a seguinte:

Já se ouviu de serra em serra
A voz da Pátria, a gritar:
Tomai as armas, meus filhos,
Que temos de batalhar.

Erguei-vos novos e velhos,
A pé todos em geral!
Erguei-vos todos à uma
Para salvar Portugal.

Ninguém me diga que morre
A minha Pátria… ninguém!
Que primeiro que ela morra
Hemos nós morrer também!

Ó Pátria da minha mãe,
Ó minha mãe duas vezes:
São barreiras invencíveis
Os peitos dos portugueses!

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Gravado por José Dias em Maio de 1927 (Discos Gramófono, E.Q. 27 e His Master’s Voice, E.Q. 27). De notar que José Dias gravou este fado um ano antes de António Menano.

A edição musical deste fado faz parte da série “Canções de Coimbra – Portugal”, impressa pela Litografia do Salão Mozart, de P. Santos & Cª., Rua Ivens, 52-54, Lisboa, cerca de 1918. A edição que tenho é a 4ª, publicada seguramente depois de 1922. Existe uma outra edição musical com duas composições, ambas para Orfeon, publicada também pelo Salão Mozart, que contém o Fado Patriótico e a Balada Açoriana.

António Menano gravou este fado em Lisboa, na Primavera de 1928, um ano depois de José Dias (Discos Odeon 136.822 e A 136.822, master Og 656) e mais tarde em Berlim, em Dezembro de 1928 (Disco Odeon, LA 187.804, master Og 1024).
No canto, António Menano omitiu a 2ª estrofe, consequência das limitações de tempo impostas pelos discos de 78 rpm e admito que José Dias possa ter feito o mesmo. Na última quadra António Menano alterou o último verso, dizendo “feitos” em vez de “peitos”, julga-se que por lapso.
A gravação de Berlim encontra-se disponível em compact disc: CD António Menano – Fados, EMI 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995.


FADO TRISTE (Tive um só amor na terra (?))
Música: Alexandre Rezende
Letra: (?)
Edição musical: (?)

Informação disponível:
Gravado por José Dias, “com acompanhamento de guitarra por Paulo de Sá e violão” (Discos Gramófono, E.Q. 27 e His Master’s Voice, E.Q. 27).
Não tenho o disco e, uma hipótese (admissível entre outras) é que a música e a letra possam ser a do FADO TRISTE (Tive um só amor na terra) da autoria de Alexandre Rezende e que foi por ele cantado e gravado por volta de 1926 ou 1927, acompanhado à guitarra por si próprio e por José Parente e, à viola, por Campos Costa (Disco Parlophone, B 33506). Mas isto é uma mera suposição, nada mais. A letra da gravação de Alexandre Rezende é a seguinte:

Tive um só amor na terra
Que de um engano nasceu;
De enganos foi sua vida
E de um engano morreu.

Eu queria e ela queria,
Eu pedi, ela negava,
Eu chegava, ela fugia,
Eu fugi e ela chorava.

Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
A 2ª quadra figura no Cancioneiro Popular dos Açores.


FADO DO MONDEGO ( ? )
Música: Alexandre Rezende
Letra: (?)
Edição musical: (?)

Informação disponível:
Gravado por José Dias, “com acompanhamento de guitarra por Paulo de Sá e violão” (Discos Gramófono, E.Q, 28 e His Master’s Voice, E.Q. 28).
Não tenho o disco e ignoro que fado seja.
Há um Fado do Mondego (Dobrou o sino a finados), música de João Carlos Bagão, letra de Edmundo Bettencourt, mas este não é, de certeza.
Há um outro Fado Mondego (Quisera que tu me amasses), gravado por Luiz Macieira antes de Maio de 1927 (disco Odeon, 136.270, master Og 533), cuja música é a do Fado dos Passarinhos (Passarinho da ribeira), de António Menano, pelo que também não é.
Há ainda um outro Fado Mondego (Minha mãe é pobrezinha) gravado pela mezzo soprano D. Luiza Baharem, com acompanhamento de guitarra e viola em finais de 1926, princípios de 1927 (Disco Columbia, 1032-X, master P.147, edição americana), cuja música é a mesma do Fado Triste (Minha mãe é pobrezinha), cantado e gravado por António Menano na Primavera de 1928 (discos Odeon, 136.822 e A 1136.822, master Og 689) e, depois em Berlim, em Dezembro de 1928 (Disco Odeon, LA 187.804, master Og 1018), mas também não deve ser dado que a sua música é a mesma do Fado da Minha Mãe (Minha mãe é pobrezinha) gravado pelo próprio José Dias em Outubro de 1928 (disco His Master’s Voice. E.Q. 150).


FADO DE COIMBRA (Nossa Senhora da Graça (?))
Música: Paulo de Sá
Letra: (?)
Edição musical: (?)

Informação disponível:
Gravado por José Dias, “com acompanhamento de guitarra por Paulo de Sá e violão” (Discos Gramófono, E.Q. 28 e His Master’s Voice, E.Q. 28).
Não sei que fado seja.
Uma hipótese com um grau de verosimilhança algo razoável é a de ser o FADO DE COIMBRA (Nossa Senhora da Graça), gravado por Armando Goes em 1929 (disco His Master’s Voice, E.Q. 245). A ser assim, a música seria a mesma de:
Fado da Mágoa (Fiz uma cova na areia), gravado por António Menano (discos Odeon, 136.819 e A 136.819, master Og 691) e do fado Olhos Verdes (Teus olhos verdes, gaiatos), gravado por Manuel Branquinho (EP Orfeu, ATEP 6409).
Quanto à letra cantada por José Dias não disponho de nenhum elemento seguro.


A MAIOR DOR (Dizem que as mães querem mais)
Música: Paulo de Sá (1916)
Letra: 1ª quadra: Horácio Menano (1912)
2ª quadra: Alfredo Fernandes Martins (1916)
Edição musical: Livraria Neves, de Coimbra (1916)

Dizem que as mães querem mais
Ao filho que mais mal faz…
Por isso eu te quero tanto
Que tantas mágoas me dás!

E pra ser mais desgraçado
No mundo do que ninguém,
Basta nunca ter andado
Ao colo da minha mãe!

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Gravado pela primeira vez em Maio de 1927 por José Dias (discos Gramófono, E.Q. 29 e His Master’s Voice, E.Q. 29). José Dias alterou a 1ª quadra ao introduzir o pronome pessoal «eu» no 3º verso da versão original de Horácio Menano.

A letra original do fado A MAIOR DOR consta da respectiva edição musical, compreende quatro quadras, todas da autoria de Alfredo Fernandes Martins, e que são as seguintes:

Quando me vires passar
D’olhos pregados no chão,
Não me perguntes que trago
Dentro do meu coração.

Que a minha dor é tão grande,
Que, se eu a fosse contar,
Não haveria ninguém
Que não rompesse a chorar.

Pois, mal nasci – Ai de mim!
Leu-me a desgraça o meu fado.
Era negro, só dizia:
Hás-de ser um desgraçado.

E pra eu ser mais desgraçado
No mundo do que ninguém,
Basta nunca ter andado
Ao colo de minha mãe!

António Menano gravou este fado na Primavera de 1928, em Lisboa, com o mesmo título mas com uma outra letra (discos Odeon, 136.820 e A 136.820, master Og 672). Nestes dois discos vem o nome de Paulo de Sá e a indicação de ser uma canção, contrariando o classificativo de fado que consta na edição musical editada em 1916. Tal gravação encontra-se disponível em compact disc: CD António Menano – Fados, Vol. II, editado em Dezembro de 1995.
A letra cantada por António Menano é a seguinte:

Sou pobre, valha-me Deus,
Mais pobre que Pedro Cem!
Ele perdeu terras e céus
E eu perdi a minha mãe!

Vai-se a noite e vem o dia
E eu não deixo de cismar:
– Mas que mal é que eu faria
Prà minha mãe me deixar?!

Em má hora eu nasci,
Em má hora digo bem!
Porque nunca conheci
A santa da minha mãe!

Por sua vez, estas três quadras constituem também, mas por ordem inversa, a letra com que António Menano gravou o Fado Maria Vitória (Em má hora eu nasci), gravação disponível no CD António Menano – Fados, EMI-VC 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995.


FADO DA MONTANHA (Quem por amor se perdeu)
Música: Alexandre Rezende
Letra: Augusto Gil (1909)
Edição musical: Desconheço a sua existência

Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Que uma das santas do céu
– É Maria Madalena...

Se aquilo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse voz,
Muita gente... toda a gente
Teria pena de nós!

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Gravado em Maio de 1927 por José Dias (Disco Gramófono, E.Q. 29 e His Master’s Voice, E.Q. 29).
A letra é de Augusto Gil. As duas quadras pertencem a “A CANÇÃO DAS PERDIDAS”, dedicada a Viana da Mota (Cf. Luar de Janeiro, Portugália, Lisboa, 10ª edição, págs. 125 a 132).
No dito disco vem a indicação de a música ser de Alexandre de Rezende. Divaldo de Freitas refere também ser de Alexandre de Rezende a autoria da dita música (Emudecem Rouxinóis do Mondego, 1ª série, pág. 28).


FADO DA MINHA MÃE (Minha mãe é pobrezinha)
Música: Alexandre de Rezende
Letra: 1ª quadra: Popular
2ª quadra: Horácio Menano (1912)
Edição musical: Desconheço a sua existência

Minha mãe é pobrezinha,
Não tem nada que me dar;
Dá-me beijos, coitadinha,
E depois fica a chorar.

Dizem que as mães querem mais
Ao filho que mais mal faz...
Por isso eu te quero tanto
Que tantas mágoas as me dás!

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se
Gravado em Outubro de 1928 por José (Disco His Master’s Voice, EQ 150). Não tenho o disco, mas tenho-o reproduzido num CD amavelmente oferecido pelo Dr. Octávio Sérgio.
Na repetição do 2º dístico da 1ª quadra, José Dias altera o último verso e, em vez de repetir «fica a chorar», canta «põe-se a chorar»; na 2 quadra altera versão original de Horácio Menano ao introduzir o pronome pessoal «eu» no 3º verso da referia quadra.

A música é a mesma do Fado Triste (Minha mãe é pobrezinha), gravado por António Menano, e do Fado Mondego (Minha mãe é pobrezinha), gravado pela mezzo soprano D. Luiza Baharém, que já atrás foram referidos.


FADO DO MAR LARGO (Ó mar largo, ó mar largo)
Música: Paulo de Sá, dedicada «Ao José Paradela».
Letra: Popular
Edição musical: Sassetti e C.ª (c/capa de Stuart de Carvalhais)

Ó mar largo, ó mar largo,
Ó mar largo sem ter fundo,
Mais vale andar no mar largo
Que andar nas bocas do mundo.

A sereia quando canta,
Canta no meio do mar;
Quantos navios se perdem
Por causa do seu cantar.

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se canta-se o 2º e repete-se.
Gravado também por José Dias, em Outubro de 1928 (Disco His Master’s Voice, EQ 150). Embora não tenha o disco, tenho-o reproduzido num CD que me foi muito amavelmente oferecido em tempos pelo Dr. Octávio Sérgio.

O título, letra, autoria da música e dedicatória constam na edição musical da Sassetti, copyright de 1927 mas a edição da Sassetti é omissa quanto à autoria da letra.
A 1ª quadra encontra-se em vários cancioneiros, no de Leite de Vasconcelos, no de Ataíde de Oliveira e no de Pires de Lima, no da Cova da Beira, nos Tesouros da Literatura Popular Portuguesa e outros.
A 2ª quadra é muito antiga, tem diversas variantes e provém da crença nas sereias, que enganam os navios e desgraçam os navegantes, ideia que já vem da antiguidade clássica. (Cf. José Leite de Vasconcelos, Tradições Populares de Portugal, edição de 1882, a págs. 82, 83, 286 e 287, e Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, II volume, págs. 36 e 37).

Gravado em 1928 por Elísio de Mattos, acompanhado à guitarra pelo próprio Dr. Paulo de Sá e, à viola, pelo Prof. Dr. José Carlos Moreira, que preferiu que o seu nome não figurasse no disco, nele apenas figurando a indicação «acompanhamento de viola e guitarra por Dr. Paulo de Sá» (Disco His Master’s Voice, E.Q. 259, master 30-2379).

Gravado por António Bernardino, acompanhado á guitarra por Nuno Guimarães e Manuel Borralho e, à viola, por Jorge Rino e Rui Borralho (EP António Bernardino, Ofir, AM 4.101); Bernardino alterou o último verso da 1ª quadra para «Do que nas bocas do mundo» e substituiu a 2ª quadra por uma variante da 1ª quadra do fado Mar Alto (Fosse o meu destino o teu).

Gravado por José Afonso, acompanhado à guitarra por António Portugal e Eduardo de Melo e, à viola, por Manuel Pepe e Paulo Alão (EP José Afonso – Coimbra, Alvorada, MEP 60280, editado em 1971) e canta a mesma letra de António Bernardino.


Artigo do Diário de Coimbra de hoje, para ler e comentar. Posted by Picasa


Concerto de Guitarra na Ordem dos Advogados. Notícia do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa


Brochura com António Menano na capa, cedida gentilmente pelo meu colega do Coro dos Antigos Orfeonistas, Joaquim Pinho. Nela estão incluídas as 22 peças que se seguem, cantadas por António Menano. Joaquim Pinho é um coleccionador e pesquisador de textos antigos relacionados com a guitarra, o canto e as tradições de Coimbra, como já foi anteriormente afirmado. Tem feito um notável trabalho nesse campo de pesquisa.
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"Fado Serenata" e "O Beijo", cantados por António Menano. Posted by Picasa


"Fazes da Lua", "Fado do Choupal" e "Canção dos Malmequeres", cantados por António Menano. Posted by Picasa


"Fado Mentira", "Fado do Bussaco", "Fado das Romarias" e "Canção Balada", cantados por António Menano. Posted by Picasa


"Fado Manassés", "Carta d'Aldeia", "Fado dos Passarinhos" e "Fado do Alentejo", cantados por António Menano. Posted by Picasa


"Fado Solitário", "O meu Menino", "Fado das Praias", "Fado da Sé Velha" e "Fado Hespanhol", cantados por António Menano. Posted by Picasa


"Fado Paris", "Fado do Sonho", "Fado Novo" e "Fado de Santa Cruz", cantados por António Menano. Posted by Picasa

quinta-feira, outubro 20, 2005


Octávio Sérgio em caricatura realizada por Virgílio Caseiro Posted by Picasa


Estudantina no Coimbra Shopping. Notícia do Diário de Coimbra Posted by Picasa


Sarau Académico na Festa das Latas. Notícia do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa

quarta-feira, outubro 19, 2005

FADO DA PÁTRIA

Música: Armando do Carmo Goes (1906-1967)
Letra: António Correia de Oliveira (1879-1960)
Incipit: Bandeira das cinco chagas
Origem: Coimbra
Data: ca. 1926






















Bandeira das cinco chagas,
Se Deus a visse no chão
Viria do céu à terra
Erguê-la por sua mão.

É tão cheiínha de encantos
A minha terra natal
Que o Tejo, que nasce em Espanha,
Vem morrer em Portugal.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Esquema do acompanhamento:
1º dístico: dó menor, dó maior, fá menor /// 2ª dó, dó menor; (1ª vez)
1º dístico: dó maior, fá maior /// 2ª dó, dó maior; (2ª vez)
2º dístico: 2ª ré, ré menor /// 2ª dó, dó maior;

Informação complementar:
Canção musical estrófica inicialmente destinada a barítono solista, em compasso quaternário (4/4) e tom de Dó Menor. Comporta passagens harmónicas, não muito habituais nas monodias clássicas coimbrãs. Tema gravado por Armando Goes, em Lisboa, Teatro Maria Victória, a 15 de Maio de 1927, acompanhado em 1ª guitarra toeira de Coimbra de 17 trastos por Albano de Noronha e em violão de cordas de aço por Afonso de Sousa: disco de 78 rpm His Master’s Voice, B 4693. No disco, por baixo do título, vem o nome “Goes” entre parêntesis indicativo, em geral, da autoria da música e não da letra. Na etiqueta do disco figura ainda a seguinte indicação «Guitarra e Viola por A. Noronha e A. de Souza».
Tendo em conta as simpatias de Armando Goes pelo Integralismo Lusitano e pela produção poética simbolista e nacionalista, cremos que este tema foi composto pouco depois da Revolução de 28 de Maio de 1926.
O literato António Correia de Oliveira nasceu em São Pedro do Sul no dia 30 de Setembro de 1879 e faleceu em Esposende a 20 de Fevereiro de 1960. Poeta de expressão nacionalista e regionalista, refugiou-se num portuguesismo ruralista e cristão que de certa forma representava um requentamento putrefacto do simbolismo decadentista de finais do séulo XIX e de inícios do século XX. Oliveira foi muito cantado em Coimbra (à semelhança de muitos dos seus companheiros decandentistas, como Júlio Brandão ou Fernandes Laranjeira), ocorrendo em matrizes fonográficas de intérpretes como Armando Goes e António Menano. Mas foi também, para os sectores mais exaltados do Movimento da Presença, o símbolo do antimodernismo, merecendo em Coimbra mimos semelhantes aos prestados pelos do Orfeu a Júlio Dantas. Faleceu confortavelmente consagrado e aplaudido como poeta oficial do regime salazarista.
Ao que sabemos esta composição não mereceu qualquer regravação posterior à de 1927.
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2005)
Texto e pesquisa: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Aurélio dos Reis, Dr. Artur Ribeiro (Museu Académico), Dr. Afonso de Sousa, José Moças (Tradisom)


Serenata do Caloiro, logo, pelas 24 horas, no largo da Sé Nova. Notícia do Diário de Coimbra. Posted by Picasa

terça-feira, outubro 18, 2005


Viagem aos Lugares da Memória das Serenatas de Coimbra
Por Augusto Alfaiate(*)


“Foi um pouco mais complicado quando uma noite faltou ao recolher e apanhou três dias de cadeia. Sempre tinha grades na janela. Mas com cigarros, rancho, e a guitarra que o cabo da guarda lhe consentiu, ao segundo dia nem o rei no palácio. A guarnição à porta, embasbacada. Aprendera a tocar. E, com a voz que tinha, era cada serenata, que os camaradas rondavam-lhe a prisão como as crianças as doçarias.”
(Miguel Torga, O Senhor Ventura, Coimbra, Edição do Autor, 1943, pág. 14)

“Noites serenas com serenatas
E a Lua branca nos altos céus,
Lindos romances, doces volatas,
Vida a desoras, adeus, adeus!”
(Coro da “Canção de Despedida do 5º Ano Jurídico de 1898-1899”, versos de Mário Esteves de Oliveira, música de Alberto Silva Rego, Lisboa, Sassetti & Ca., 1899).

“ A namorada do Silvano morava lá para as bandas de Celas e a serenata foi um sucesso. Mal se começaram a ouvir os primeiros trinados da guitarra, ela apareceu à janela e atirou-lhe uma rosa vermelha.”
(Octávio Abrunhosa, Coimbra ... ontem (1945-1951), Coimbra, Almedina, 2001, pg. 156)

Coimbra, 15 de Janeiro do ano da graça de 2002. O sol persistia em contrariar um frio tornado agreste pela brisa da manhã. Na Couraça de Lisboa o autor encontrava-se com o seu amigo António Ferrão, salatina de boa têmpera, homem vertical, afável no trato, que os conimbricenses qualificaram com o nome de Luís Salatina.
Combinámos fazer umas via-sacras, pelos caminhos das serenatas. Estes vieram a tornar-se numa via crucis para os 86 anos do Luís Salatina, que eu, Deo juvante, ainda aguento bem as subidas à Colina Sagrada.
Luís Salatina subia a Rua da Alegria para o encontro marcado. Por momentos apresentou-se ao meu espírito uma fantasia, figuração de outras épocas, de tempos com memória. Apercebi-me, numa miscelânea de luz e sombra, dos contornos da cerca do Colégio de S. Bento e das casas que o D. Abade do dito Colégio arrendava a estudantes por concessão régia. Luís Salatina surgia ladeando as casas até passar pelo Arco da Rua da Alegria que Borges de Figueiredo e Pinto Loureiro designaram por Arco de Nossa Senhora da Alegria.
Espírito liberto de intuições imaginárias, abracei o meu amigo com a força do afecto que se tem a quem muito se admira.
Iniciámos a caminhada Couraça de Lisboa acima.
Construída provavelmente no século XII é a única das três Couraças que Coimbra tinha na direcção do Mondego. No século XVIII ainda se conservavam, ao fundo desta Couraça, os restos do arco romano.
A poente, a muralha que suporta a Couraça tinha a mesma composição desde o Castelo até ao Arco de Almedina, com algumas alterações registadas em diversas épocas. O Colégio dos Militares e as casas particulares que se lhe seguiam estavam assentes na muralha. Neste pano ainda são visíveis grandes blocos de cantaria da época romana. Do Castelo até à Couraça a muralha fazia a divisão com os campos medievais de Genicoca, produtores de bom vinho e azeite. O marco divisório entre a Couraça de Lisboa e a Rua do Arco da Traição, que actualmente serve de divisão entre as Freguesias da Sé Nova e de Almedina e faz a ligação da Couraça de Lisboa e Rua de São Pedro à Calçada Martim de Freitas, era o Arco da Traição, também chamado da Genicoca.
Arco da Traição. Arco em forma de ferradura, estava voltado para a colina de Genicoca ocupada actualmente pelo Jardim Botânico. Se não tivesse existido uma forte oposição do juiz, vereadores e procuradores da cidade, teríamos hoje um caminho de ligação entre a Rua do Arco da Traição e possivelmente a Ladeira do Baptista (início da actual Rua do Brasil), que D. João III ordenara se fizesse, em 1540. Foi demolido em Novembro de 1836, numa época de destruição e desaparecimento de vários valores culturais da cidade verificados logo a seguir à extinção das Ordens Religiosas.
Luís Salatina (¾) lançando o olhar para o cimo da Couraça de Lisboa, observa.
A Rua do Arco da Traição só tinha prédios do lado esquerdo. Do outro lado era o Jardim Botânico. E não só, também a Igreja de S. Bento, da renascença, onde eu ainda tive ginástica. A Igreja tinha dentro, no transepto, o esqueleto bombeiro onde os Bombeiros Voluntários faziam os exercícios, já pode ver a altura que tinha a nave. Foi demolida em Janeiro de 1932.
- Já estava em ruínas.
-Não senhor, nunca esteve em ruínas, tanto que no transepto estava o esqueleto bombeiro, veja lá a altura que tinha a nave para ter um esqueleto bombeiro com uma altura de cerca de quatro andares, já pode ver a altura ... e então, do lado direito, para o lado da Rua da Traição, havia um desnível com uma escada de madeira e em baixo estava o anfiteatro do Liceu onde o Tenente Campos Felizes ensaiava o coro do Liceu.
- Em frente à porta lateral da igreja havia o muro do Hospital do Castelo.
¾ Sim, era o Hospital instalado no Colégio dos Militares das Ordens de S. Tiago de Espada e de S. Bento de Aviz. Para sua construção, no primeiro quartel do século XVII, demoliram largos panos de muralha na Barbacã do Castelo. Mais tarde, na reforma pombalina, foi demolida a Torre de Menagem e alguns troços, como passadiços, ameias, seteiras e parapeitos, para remodelação e adaptação do Colégio ao serviço do Hospital do Castelo. O que ainda restou da Torre de Menagem foi sacrificado à implantação do Departamento de Matemática, apesar da oposição da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra.
A muralha de suporte da Couraça, autêntica varanda sobre o Mondego, é testemunha de muitas e seculares vivências, desde as Noites da Queima às Festas da Cidade no Parque Manuel Braga e procissões da Rainha Santa, passando pelos trinados das lavadeiras em mistura harmónica com o sibilar dos salgueiros hoje desaparecidos, as actividades desportivas no rio ou as célebres praias fluviais dinamizadas a partir da terceira década do século passado[1]. Quantas centenas de vezes trinaram, sopraram ou cantaram acordes harmoniosos dos lados de Santa Clara para deleite de ouvintes arrumados pela Couraça, ruas e janelas, até ao topo da Colina[2].
RIO DE AMORES
Rio das moças de Coimbra, rio
Dos Choupos, dos poetas e doutores:
Maior rio só de águas portuguesas
Onde as areias cantam luzidias,
Fulvas de Sol e de Luar, acesas
Em frescos de cristais e pedrarias.
Rio das margens dos salgueiros velhos
E debruçados e curvados, tortos;
E rio moço das lavadeiras moças
Que a gente fica a olhar por esses portos.
(Afonso Duarte)

Na casa que faz gaveto entre a Couraça de Lisboa e a Travessa da Couraça morou Amélia Janny. Alta e magra, cabelos grisalhos descaindo pelos ombros, era bonita e elegante[3]. Camilo tratava-a carinhosamente por “Nova Safo”, outros a designaram por “Poetisa do Mondego”, “Rouxinol do Mondego” ou “Cisne do Mondego”. A sua casa foi um verdadeiro centro de cultura onde se reuniu o melhor que passou por Coimbra. Pessoa sensível aos grandes problemas que afectavam o país e a Humanidade, soube congregar à sua volta figuras importantes da cultura do seu tempo. Interpretava e divulgava, de uma forma sentida, a cultura romântica do tempo. Figuras notáveis como Camilo, João de Deus, Teófilo Braga, António Cândido, Teixeira de Pascoais, Antero de Quental, Bordalo Pinheiro, Alfredo de Campos, Castilho, Eugénio de Castro, Gonçalves Crespo, Trindade Coelho, Dom Manuel Correia de Bastos Pina, António de Vasconcelos, Mendes dos Remédios, os Condes de Monsaraz, Mendes Leal, e tantos outros, admiravam o seu talento e deliciavam-se com o seu modo de dizer as suas poesias. Pinto Osório em Figuras do Passado refere que “Era interessantíssimo o seu dizer, cheio de observação e de espírito. E nunca faltava assunto! Mulher inteligentíssima, dotada de rara memória, durante meio século, esteve, naquela casinha de formosa encosta a ver registar todos os acontecimentos, conhecendo, mais ou menos, todos os homens distintos das diversas gerações académicas, que, nesse largo período, passaram por Coimbra!" Foi uma figura da Canção de Coimbra. Adriano Simões da Silva observa que Janny era “autora de muitas letras para fados, além de executar muitos fados ao piano” e que “organizou saraus onde o fado era cantado pelos dois sexos indistintamente, acompanhados pela própria ao piano e por convidados ao bandolim e violino”.
Em frente, a poente dos campos da Genicoca mais tarde ocupados pela cerca do Colégio de S. Bento e hoje Jardim Botânico, fica o Quinchorro, espaço situado entre a Couraça e a Rua da Alegria. O nome está num ofício da Junta da Paróquia da Sé Velha enviado à Câmara em 27 de Maio de 1884 que refere; “os terrenos eram de há muito denominados Quinchorro”. Pelos quintais do Quinchorro passa uma escadaria mandada abrir a direito por deliberação do executivo municipal de 14 de Novembro de 1884. Era, conforme desenho topográfico dos irmãos Goullard de 1874, de feição diferente da escadaria que hoje lá temos. Constava de três lanços dispersos, sendo que dois deles ligavam o Beco da Alegria (destruído após aquela deliberação) à Couraça de Lisboa e à Rua da Alegria.
Na muralha, por cima das Escadas do Quinchorro, “um muro avançado e comprido de aspecto de suporte de terras, que visto de longe, ... apresenta retalhos de aspecto antigo”, como se diz no Inventário Artístico, indica uma saliência como de torre, no dizer de Baldi. O dito Inventário designa-a por Torre a meio da Couraça de Lisboa.
Na Couraça residiu Camilo Pessanha, em 1867. Poeta conhecido pela sua vivência em Macau, inspirou os seus primeiros poemas nas musas do Mondego. Não alinhou na polémica travada pelos neo-garretistas da “Boémia Nova” em que se destacou António Nobre e os simbolistas de «Os Insubmissos” liderados por Eugénio de Castro, como refere Matilde de Sousa Franco. Alberto Osório de Castro, grande amigo do poeta, ia muitas vezes ao seu quarto para declamar, com o vale do Rio Mondego pela frente.
Luís Salatina acrescentou.
-O Camilo Pessanha que eu já não conheci porque eu nasci em 1915 e ele foi famoso em Coimbra no ano seguinte, é o autor da Clepsidra que escreveu em Macau[4]. O Camilo Pessanha nasceu no Cidral, actual Rua Miguel Torga. Era filho de uma engomadeira da Rua da Trindade que era natural da região de Tábua. Esta senhora veio muito nova para Coimbra. O pai era indiano, formado também em Direito.
Ao cimo da Couraça fica o Colégio da Santíssima Trindade da Redenção dos Cativos. O seu avançado estado de degradação é testemunha da incúria e do estado a que chegou a auto-estima dos principais desta nossa amada cidade. O espaço para a sua construção, iniciada em 1562, provém de terreno próprio e de outros espaços adquiridos à igreja de S. Pedro e a Lourenço Mouro que ali tinha umas casas. Os colegiais trinitários conseguiram ainda, por alvará de 11 de Janeiro de 1575, um pedaço de rua e travessa, ficando a Ordem “obrigada” a fazer uma calçada de 30 palmos de largo no lado oeste. Assim nasceu a Travessa da Trindade, confinante com a Couraça de Lisboa. De instituição com privilégios concedidos pelo Reitor da Universidade em 1576 aos oficiais do dito Colégio e outras regalias como a realização das cerimónias religiosas que competiam à Real Capela da Universidade quando esta estava em obras, demonstrando um passado com honra e glória por onde passaram colegiais que foram lentes de Digesto Velho, de Controvérsia e de Cânones, passa à indignidade de Colégio fechado com os seus bens inventariados logo a seguir à extinção das ordens religiosas, em 29 de Maio de 1834 – quinta-feira de Corpus Christi. Foi quartel forçado de tropas inglesas na 2ª Invasão Francesa; vendido em praça pública realizada no dia 14 de Maio de 1849 por 3.200 réis; sede do Tribunal Judicial da Comarca; extensão da Escola Brotero para as aulas de desenho industrial; sede da Associação Académica de Coimbra após a destruição do Teatro Académico; usado para uma marcenaria e armazém de móveis e como arrecadação e, finalmente, casa de habitação de famílias de idosos com parcos recursos que provocaram o seu adiantado estado de ruína. Entregue à Universidade para lá instalar o Colégio Europeu, é hoje símbolo da falta de empenho das entidades, Universidade incluída, na preservação do nosso património, assim impedido do reconhecimento mundial[5].
¾ A Couraça de Lisboa, diz Luís Salatina (¾), não tinha propriamente memória de serenatas, mas já ali acima, nos Palácios Confusos onde viveu o Antero de Quental moravam umas moças onde iam fazer serenatas. Os estudantes não procuravam sítios muito largos, em regra, para exibição.
- Sobre o sentido que devemos dar à palavra Serenata amigo Salatina, proponho que se definam os limites do termo para este trabalho. Trataremos como Serenata, qualquer composição musical de carácter ligeiro, seja ela vocal ou instrumental, ou as duas coisas ao mesmo tempo, embora devamos aplicar aqui, na denominação de Serenata, as composições vocais acompanhadas ou não com instrumentos apropriados (geralmente de cordas), com carácter amoroso. Mas estávamos a discorrer sobre os Palácios Confusos onde viveram, na ligação com a Travessa da Couraça de Lisboa o Antero de Quental e ao fundo da Travessa, na ligação com a Couraça de Lisboa a Amélia Janny.
Eu já não conheci Amélia Janny, não ... só conheci uma francesa que morou na minha vizinhança e que era muito popular em Coimbra por causa dos trajos dela. Era mãe de um funcionário superior do Banco Nacional Ultramarino. A Madame Chardonè. Nunca ouviu falar?
- Sim, ouvi, mas conte a estória.
-Ó Giga ó giga ó giga / Que é, que é, que é / Já vi dançar o giga / À Madame Chardonè. Era uma francesa muito exótica. Devia ser viúva ou coisa assim[6]. Morou na Couraça dos Apóstolos ali na casa pegada, mais ou menos, àquele professor de Direito Internacional que era o Cabral Moncada, Monárquico. Os seus dois filhos eram muito amigos do meu pai.
- Bom, o Cabral Moncada ficou sempre com uma ideia romântica de Coimbra. Aquela descrição que fez nas suas Memórias, do Mondego... “um comprido areal atravessado por um escasso fio de água apenas esverdeada, ao longo do qual se viam lavadeiras dispersas com a sua roupa branca já lavada a secar na areia, e algumas toscas barracas de madeira que depois me (lhe) disseram serem... uma estância balnear”. E acrescenta: “O fascínio dessas noites de Verão, resplandecentes ao clarão das iluminações públicas, dos fogos-de-artifício queimados no areal do Mondego, e dos foguetes de lágrimas disparados junto do Convento de Santa Clara, não se descreve”. E continua: “a isto acrescia, nas noites que se seguiam à procissão da imagem da Santa, o eco prolongado dos descantes populares das ‘fogueiras de S. João’ e das serenatas dos estudantes”. Evocava em plenitude “a magia da Coimbra da tradição e da lenda”, desta “urbe romântica do Choupal e dos rouxinóis”. Mas continue amigo Salatina.
Luís Salatina viajava no tempo da sua Velha Alta desaparecida. Espírito aberto, olhos cravados no ambiente circundante, discorria memórias a esmo, saltando de rua em rua com os tempos da sua juventude sempre presentes. Abandonámos a ideia de percurso pré-determinado. Seguimos a narração criativa do entrevistado. Prosseguiu.
Há dois locais famosos ali à volta do Museu de História Natural; um deles era o Colégio religioso onde esteve o primeiro Hospital da Alta, na ponta virada para o elevador. O Cabral de Moncada morava precisamente na casa onde está agora uma das cabinas ao cimo da Rua Abílio Roque (actual R. Pe. António Vieira). Mais abaixo começa a Rua das Flores. Aí viviam algumas bonitas raparigas e aí vivia o grande poeta José Régio e os dois irmãos...
O primeiro Hospital da Alta foi instalado a partir de 19 de Março de 1779 com a transferência dos doentes e da Capela privativa, após seis anos de obras de adaptação das dependências das alas Norte e Poente do Colégio de Jesus.
José Régio, Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, usado pela primeira vez em 1925, quando publicou os “Poemas de Deus e do Diabo”. Viveu no n.º 35 da Rua das Flores enquanto estudante. Foi co-director e co-fundador da revista “Presença” a par com João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca. É precisamente na Rua das Flores, na casa onde viveu que se instalou a primeira redacção da revista. Compôs uma bonita letra para um fado, a “Balada de Coimbra”, por gratidão para com a cidade que lhe deu formação académica[7].
Aliás Régio foi um amante de Coimbra mesmo antes de vir para a Universidade, pois seu pai queria que ele fosse estudar para o Porto, mas o jovem conseguiu resistir à teimosia do pai. Na sua obra “Confissão de um homem religioso”, apregoa o seu amor à Coimbra de António Nobre, da boémia coimbrã, das belas paisagens, do romantismo e de todos os mitos mais ou menos poéticos da cidade que sempre amou. Nunca se arrependeu de ter vindo para Coimbra onde passou alguns dos anos mais felizes da sua vida e encontrou os elementos para um fecundo ambiente literário que não acharia no Porto. Era comum encontrar o José Régio (e outros elementos da então novel revista literária ‘A Presença’) na barbearia do Flávio Rodrigues, a aguardar vez, dedilhando destramente a viola. A barbearia do Flávio estava quase sempre repleta de fregueses, alguns bem ilustres que se tornaram célebres.
-Quando casei, prosseguiu Luís Salatina, passei a viver na Rua do Loureiro, mas também vivi num prédio que o meu pai comprou no número 13 da Rua da Matemática durante muitos anos. Aí, no Largo da Matemática, vivia a D. Berta de Sousa Gomes (pessoa de família distinta, madrinha do actual bastonário da Ordem dos Advogados, o Dr. Miguel Júdice) que pertence à família Alarcão. O pai dele, o Dr. Júlio Júdice era Lente de Direito, mas morreu muito novo. Esta senhora tinha raparigas estudantes, quase todas oriundas de Trás-os-Montes e do Minho, uma delas fez tese de licenciatura sobre a obra de Oscar Wilde. A traseira dessa casa dava para os jardins do Doutor João Jacinto, avô do João José Cochofel. O Doutor João Jacinto era um famoso cirurgião do Hospital e era o dono desse palacete da Rua da Esperança. Havia também aí, antes do palácio do Doutor João Jacinto, mas já para o lado da Matemática, um beco muito íngreme que é o Beco da Anarda. Entre o Palácio João Jacinto e o Beco da Anarda havia um prédio vermelho apalaçado (também de uma família fidalga) que é hoje um Lar da Universidade, e aí faziam também serenatas[8].
- Como sabe, o João José Cochofel fez um livro de poemas em homenagem à escultura de Santo Agostinho que está no alto da fachada nascente do Colégio Novo. O santo está representado de mitra e báculo, com um livro aberto na mão esquerda. O José Cochofel tinha desse bispo de pedra (que ficava mesmo em frente aos seus aposentos e era portanto a primeira imagem que via quando assomava à janela) a mais antiga recordação de infância e sentia por ele uma sensação de respeito e temor como se fosse um mito ou um símbolo plurivalente com representações de autoritarismo, conformismo, preconceito, passadismo... mas também amiga presença familiar e até solicitude protectora, segurança, tranquilidade... coisas que, consciente ou inconscientemente entraram em conflito dialéctico na formação da sua personalidade. Isto disse o Cochofel em entrevista dada a Urbano Tavares Rodrigues no jornal O Século. Foi o poeta do neo-realismo[9]. A sua poesia está, atravessada pela realidade concreta do quotidiano, de incidência anti-espiritualista. Desenvolve-se em poemas breves, impregnados de uma consciência social e histórica situada ideologicamente no marxismo, caminho deliberadamente escolhido para combater as formas de repressão provocadas pela orientação política, social e económica do Estado Novo. Cochofel destacou-se também como interventor de alcance crítico e teórico. Em sua casa reuniam-se os jovens do movimento neo-realista coimbrão que, como sabe, teve aqui a sua génese com a publicação dos Cadernos da Juventude[10]. Mas... e na Rua Larga? Perguntei.
A Rua Larga era uma rua de trânsito, tinha duas linhas de eléctrico. Aí não havia serenatas. Mas já junto ao Jardim do Monumento ao Camões, onde actualmente está a Faculdade de Letras, havia serenatas. Por trás desse Jardim havia uma rua onde se faziam serenatas, que era a Rua do Cosme, onde estava o palácio do Eugénio de Castro e Almeida que fazia esquina para a Rua das Cozinhas, uma rua estreita como a Rua dos Anjos. A casa fazia gaveto, a sala de jantar dava para a Rua das Cozinhas, era um palácio com rés-do-chão, um andar e um alçado em cima, casa antiga portuguesa, pintada de um vermelho escurecido.
- Eugénio de Castro, o grande Poeta e Professor Universitário de Coimbra[11]. Faleceu em 1944, pouco tempo após a demolição da sua casa, dizendo-se que por desgosto perante a destruição do bairro que tanto amava. O amor que Eugénio de Castro nutria por Coimbra está bem patente no seguinte poema: Parece um altar de prata / Coimbra sobre o Mondego / Quem a vê sonha acordado / Quem a deixa fica cego”. Amigo do pintor António Carneiro, leva este a retratar reitores e professores da Universidade de Coimbra. As sua obras “Oaristos” e “Horas”, representam a introdução do Simbolismo em Portugal. Esta poesia introduz novidades na poesia portuguesa: “revela-se contra as frases feitas e os lugares comuns na poesia, bem como contra a pobreza do vocabulário e da rima, e defende a beleza da palavra por si mesma, a liberdade métrica e a originalidade da atitude poética”, como nos diz Adriano Simões da Silva... E na Rua dos Estudos Sr. Luís Salatina?
-Era a rua que vinha para o Hospital. Era uma rua de muito movimento, muito estreita, com passeio dos dois lados. As visitas aos doentes iam até tarde, depois o movimento quase que desaparecia e não houve ali tradição de serenatas. A seguir havia uma rua que tinha umas rochas. Tinha à esquina o Faria da mercearia e da venda ... era a Rua dos Penedos. Cá em cima tinha uma grande República que pertencia a um padre, Saúl da Cruz, que era de Cantanhede e tinha muitas raparigas ... foi lá que o Dr. João Porto conheceu a namorada. O Dr. João Porto era muito meu amigo, eu era o escrivão dele, ainda lhe posso mostrar um livro que ele me trouxe de França com uma bonita dedicatória. Veio para Coimbra estudar medicina com uma bolsa de estudo do bispo de Portalegre que era o D. José do Patrocínio, um grande benemérito[12]. Depois de se formar devolveu ao bispo a bolsa que trouxe.
- E na Rua do Cano da Feira?
Ali no Cano da Feira, por cima do fontenário faziam-se fogueiras. As serenatas eram mais feitas nos sítios onde residiam estudantes.
- Nessa rua, Francisco Montanha, vice-reitor da Universidade de Coimbra no período das invasões francesas e Cónego Doutoral da Sé de Coimbra adquiriu umas casas para aí viver. Sabe que nesse período houve três grandes epidemias em Coimbra? A de 1811 foi menos violenta na Alta, por ser mais arejada, mais asseada, enquanto na Baixa, nesse ano, houve muitas imundícies acumuladas pelo rebentamento dos canos da Inquisição e do Colégio da Graça. O Reitor era D. Francisco de Lemos, colaboracionista dos invasores e grande impulsionador da erecção da igreja do Colégio das Artes a Sé Catedral. É também conhecido por proibir que os homens participassem na procissão dos nus que desde o século XV se fazia em honra dos Santos Mártires de Marrocos, passando a mesma a ser feita apenas por penitentes impúberes.
Luís Salatina continua a descrição.
-Mais à frente, no Patronato... a minha mulher ainda é testemunha, tanto que um dia saltou-me da cama muito interessada e perguntei: O que é isso? Lá fomos ver o que era. Era uma serenata com o Anarolino Fernandes. Os rapazes que eram aqui de Miranda do Corvo, um deles muito famoso, também cantador de fados, que não se arranhava com o irmão... um era estudante de Direito... e havia o Alexandre Herculano que cantava muito bem. As raparigas tinham as portas bem fechadas, não se acendiam as luzes, pediam mesmo que se mantivessem as luzes fechadas e a polícia afastava as pessoas que passavam na rua.
- Era a polícia que fazia isso?
-Sim senhor, vimos muita vez aí... e na Rua do Loureiro. Já para o lado do Asilo da Pedreira, onde está hoje a Secretaria da Universidade, que era os Grilos, havia muitas serenatas.
- É verdade, aí houve mesmo uma Rua dos Grilos que passou a ser designada por Rua Dr. Guilherme Moreira a partir de 1923. A existência desta rua é referida numa carta régia do século XVI e ficava entre a Rua da Trindade e a Rua da Ilha, estando ligada à Rua do Norte por uma rua estreita que passava pelo sul dos Claustros da Sé Velha.
Prosseguindo...
-O Paradela de Oliveira ... era baixinho, já depois de formado foi fazer uma serenata na Rua dos Coutinhos em frente ao prédio do Costa Lobo, grande matemático[13]. Da parte de baixo havia uma taberna que era o Chapéu Velho... Pai, filho e neto (o actual Costa Lobo), eles foram todos professores. E aí havia realmente uns palácios que deitam para a calçada e para o rio, com jardins até à frente, havia umas casas ... mesmo dos Coutinhos e isso tudo, ali assim ... brasonados, ainda lá estão como se pode ver ... e viviam para aí umas raparigas e aí faziam-se muitas serenatas.
- Mas, falando do Paradela de Oliveira, podemos também recordar o grande intérprete que foi Armando Goes, destacado cantor e compositor da Canção Coimbrã dos anos 20. António de Almeida Santos diz-nos que tinha uma voz de barítono de enorme amplitude e punha nas suas interpretações um requintado gosto.
Era na verdade um grande cantor!
- Nessa Rua dos Coutinhos também viveu o Edmundo Bettencourt (1899-1973), o poeta renovador da Canção Coimbrã. Alguns dos seus famosos temas como Menina e Moça, Senhora do Almotão, Canção da Beira Baixa ou Saudadinha, foram mais tarde popularizados por José Afonso, grande apreciador deste poeta fundador da Presença com Branquinho da Fonseca e José Régio. Vive grandes momentos de elevação e êxtase, quem tiver a fortuna de ouvir os 16 temas por ele gravados nos anos de 1928 e 1929. Podemos afirmar que foi um dos maiores intérpretes da Canção Coimbrã de todos os tempos. Fez com o guitarrista Artur Paredes aquela que foi conhecida como a mais famosa dupla de sempre da Canção Coimbrã, pelas adaptações que fez de temas populares como Senhora do Almotão, Saudadinha e Canção do Alentejo. O poeta José Régio descreve a sua forma inovadora de cantar como gritos de cristal e oiro. Mas, infelizmente para nós, apreciadores deste grande inovador na procura de novos caminhos para a Canção de Coimbra, só cantou enquanto esteve na nossa cidade e nunca mais aqui voltou, apesar de a ter sempre presente e sentir muitas saudades dos tempos de estudante em Coimbra. Ele é, também, o nosso intérprete que melhor fez a ligação à música popular portuguesa, nas interpretações já citadas e em outras como a Canção da Beira Baixa e a Canção do Alentejo.
Luís Salatina prosseguiu pelo caminho das serenatas da Alta.
-Nos Palácios Confusos está a Casa das Cruzes que a Câmara restaurou... onde está a Junta de Freguesia.
- Não, agora já não está na Casa das Cruzes. Regressou à antiga igreja do Colégio de Santo António da Estrela
Sim, era um Colégio Universitário.
- Onde chegou a morar o Prof. António de Vasconcelos, no lado Norte, que dava frente para a Couraça de Lisboa.
Aquilo foi vendido mais tarde. No tempo da República tinha lá uma fábrica de bolachas. Ainda me recordo de ter um reclame em cima. E foi o Doutor Bissaya que um dia disse ao colega Prof. Ângelo da Fonseca que aquilo estava à venda. ... e eles tinham poder, o Bissaya nesse tempo era um líder. Chegou lá a ser uma fábrica de bolachas, via-se da calçada ... e tal.
- Sim. Recordo-me da indicação
... e um dia ele disse ao Ângelo: “Ali é que ficava bem”. Foi quem salvou o local, que até o Aquilino Ribeiro refere isso, ele que não gramava Coimbra, num dos livros refere isso. Mais tarde, vindo de Santa Clara, o Bissaya contemplou a Colina Sagrada e disse: “Está ali hoje um maravilhoso prédio que salvou o local”. E salvou!
- Bom, o autor do projecto foi Raul Lino.
-Esse mesmo, Raul Lino. Fez aqui em Coimbra três prédios, um na Rua Alexandre Herculano e outro na Conraria que pertence ao França Amado que ainda hoje lá está, naquela encosta, isolado, que é uma espécie de torre cheia de azulejo[14]. O prédio à portuguesa do Raul Lino que domina todo aquele vale do Ceira. Uma das várzeas mais belas que há em Portugal, no dizer de um agrónomo.
- Raúl Lino, grande arquitecto. O projecto que refere na Rua Alexandre Herculano é a sede da Associação Cristã da Mocidade, mas riscou ainda o projecto de outro edifício dessa rua e também outro na Avenida Dias da Silva. Sabe que serviu de apoio, como arquitecto, à primeira Comissão de Obras da Cidade Universitária de Coimbra? Nesse aspecto alinhou pelos destruidores da Velha Alta. Mas o Sr. Luís Salatina disse que nos Palácios Confusos havia serenatas?
-Sim, em frente onde morou o Antero de Quental. Pouco distante daí, já na Rua das Esteirinhas, onde estavam aquelas pequenas ... uma delas a mulher do Maló ... raparigas engraçadas e atletas e isso tudo, era aí que eles faziam serenatas.
- Mas também, logo acima, na zona do Palácio dos Grilos...
-Sim, como já falámos. O Sr. Dr. conhece a casa onde morou o Doutor Salazar? Mas para cima, até à Rua da Trindade, eram sítios muito sós. Era uma zona sem movimento. Mais acima havia o prolongamento da Rua de S. Pedro, já desaparecida. Aí moravam quase só professores da Universidade, por exemplo o Doutor Filomeno da Câmara de Melo Cabral que era açoreano, meu padrinho, que foi presidente do Conselho de Direcção da Casa de Geografia em Lisboa, filho do general Adolfo César Pina que era director da Escola de Material de Guerra em Braço de Prata[15].
- Aqui na Rua das Covas ou Rua do Norte havia bonitas moças no seu tempo.
-Na Rua do Norte, até à Sé Velha, sim senhor... aí. Em baixo havia umas escadinhas que ainda lá estão. Moraram aí figuras importantes, por exemplo o grande advogado Dr. António Leitão e as sobrinhas, filhas de uma irmã, que eram as raparigas mais bonitas que havia na Alta. Foram-lhes dedicadas muitas serenatas. Saíram dali e foram para a Rua das Fangas. O António Leitão tinha um filho que casou com a filha do Reitor da Universidade, o Doutor Maximino Correia[16]. Ele tinha uma filha engraçada que andou com minha irmã no Colégio Português, na Praça da República.
- Na Rua das Covas ...
-A Rua das Covas era muito estreita. Ali viviam figuras conhecidas como a meretriz, a mulher d’aço ... Conheci-a muito bem, era educadíssima, era de Verride[17].
- E mais acima junto ao Museu Machado de Castro?
-Em frente ao Machado de Castro, na Rua das Colchas, fizeram-se muitas serenatas[18]. Por baixo havia até um posto de venda da Nacional e esse prédio era do Maximino Correia, ao lado do famoso José Trego, o Barbeiro, que era um dos melhores violas de Coimbra e um dos melhores homens que cantava e fazia teatro em Coimbra. José Lopes da Fonseca (Trego), foi exímio tocador de viola, de que foi professor. Eram bastantes os alunos que na sua barbearia situada no Largo do Museu Machado de Castro recebiam lições
- José Trego. Diz-se que tinha esta alcunha pela dificuldade em pronunciar os “erres”[19].
-Sim, defeito que lhe vinha da meninice. Mas em frente da barbearia havia um passadiço que ia até ao Restaurante dos Caçadores, em frente ao Arco do Bispo. A calçada teve que ser rebaixada para passar o eléctrico. Era onde o D. Manuel Correia de Bastos Pina passava para a Sé. Morreu em 1913. Era de Oliveira de Azeméis, da mesma terra do Ferreira de Castro. Tinha um metro e 98 de altura, um pedaço de homem e era padrinho de El-rei de D. Manuel. Era muito amigo do lente de Medicina Doutor Daniel de Matos de quem foi colega na Universidade.
- E na Rua dos Coutinhos?
-Aí é que estavam os órfãos, sabia? No Colégio de S. Caetano.
- Eles agora estão lá novamente.
Só os rapazes... sabia?
- Sim, só os rapazes.
Porque as raparigas estavam na Praça Velha no edifício por cima da Igreja de S. Tiago. O espaço pertencia à Misericórdia por causa da lei da Rainha D. Leonor que criou os primeiros hospitais, o das Caldas da Rainha e o de Todos-os-Santos em Lisboa, no Rossio.
- E na Rua de Sobre-Ribas, onde está o chamado palácio com o mesmo nome?
Era um sítio isolado. Só quem por ali morava é que por lá passava. Havia aí um colégio de raparigas.
- Na Rua de Sobre-Ribas?
-Sim, onde mataram a Maria Teles. Andava aí um pedreiro a martelar um lavrado em pedra muito bonito, manuelino, para pôr um cano. Coisa lindíssima. Eu ia a passar com o meu pai. O meu pai interpelou aquela barbaridade e o homem quis-lhe bater mas chamámos a polícia ... e veio de lá uma freira espanhola e tudo, clamando contra o meu pai: “está bêbado, está bêbado”. O meu pai viu-se à brocha porque eles deitaram-lhe a mão .... Uma cimalha daquele tempo, da renascença ...
- Estavam a destruí-la!
... e estava um bruto dum pedreiro a parti-la para colocar um cano qualquer. Ainda se vê lá. Fez-se barulho ... depois apareceram pessoas que conheciam o meu pai.
- Para que fim ocupavam as freiras espanholas aquele espaço?
Aquilo era mais um refúgio com algumas raparigas. Ali onde mataram a Maria Teles.
- Parece que a Maria Teles não foi morta aí. Diz-se que teria sido na zona do actual Largo do Romal onde ela tinha aposentos.
Logo a seguir o Quebra-Costas na Idade Média. Era o rio da cidade...
- Sim, por lá passava o córrego ...
... e atravessava o que é hoje a Rua Ferreira Borges, saltava para a Rua das Azeiteiras e ia sair ao Largo das Ameias para o rio.
- Precisamente. Partia do Marco da Feira na direcção da Rua do Rego de Água, entrava pela Rua das Covas e Largo da Sé Velha e precipitava-se a grande velocidade no Arco de Almedina, carreando materiais arrancados do Quebra Costas (antes Rua das Tendas), criando grandes dificuldades aos comerciantes e artífices que viviam nas redondezas, sobretudo nos séculos XV a XVII. Conta-se que em Junho de 1411 foi tal a quantidade dos materiais arrastados pela água que esta arrancou as portas chapeadas de ferro da Porta de Almedina.
Na Rua das Fangas, assim chamada por ali existirem umas fangas da farinha, grande parte das casas do lado poente assentam sobre a muralha. O traçado da muralha aproxima-se do desenho percorrido por esta. Há vários documentos que fazem referência ao muro na Rua das Fangas. Esse muro era propriedade da Câmara que o foi aforando e vendendo. Nessa muralha ao longo da qual se formou a “couraça”, até à Torre de Belcouce, estavam duas torres: a Torre do Engenho ou do Trabuquete e a Torre de Dona Joana. Livreiros e impressores tiveram aqui as suas oficinas e lojas de livros. Era um local de habitação por excelência dentro da muralha. Aqui habitaram pessoas importantes da cidade, sobretudo lentes da Universidade, impressores, livreiros, fidalgos, etc. Havia aqui bons palacetes...
-Pois havia ... Era aqui que moravam as pequenas... as Leitoas. Aí é que havia serenatas. Na mesma casa morou mais tarde um maestro italiano chamado César Magliano. Uma dessas miúdas foi para Lisboa, casou com um general, a outra é casada com Adalberto Seabra. Era pessoa de grande beleza.
- Bom, as Leitoas não moraram aí, a casa onde moraram tinha entrada pelo n.º 37 da Rua Joaquim António de Aguiar. Essa casa tinha janelas para o Pátio do Correio Mor que, como sabe, dá para a Rua das Fangas. O maestro César Magliano morou um pouco mais abaixo do Pátio, do outro lado da Rua das Fangas. Esta rua, que a partir de 1883 passou a designar-se Rua de Fernandes Tomás, a pedido da Associação Liberal de Coimbra, foi local de importantes manifestações citadinas, como a Procissão do Corpo de Deus que por aqui passava. Nesta procissão, de carácter religioso e profano, os ofícios participavam activamente. Um regimento da procissão, de inícios do século XVI dá-nos a ideia da sua forma de organização. Esse documento regista os ofícios existentes na cidade e o modo como se agrupavam e estabelece também a ordem e a apresentação de cada grupo de ofícios. Um outro dado muito importante que o regimento nos dá é a distribuição dos lugares na procissão, as representações e danças, as vestes... podendo nós inferir daí o grau de importância económico-social de cada ofício.
Chegámos ao edifício onde está o IPPAR e esteve a Legião Portuguesa.
-Isto era o palácio de um fidalgo que agora não me recordo o nome. Fazia aqui grandes festas sociais para apresentar as filhas... Recordo-me da piada dos estudantes quando aqui esteve a Legião. Os legionários colocaram um grande letreiro com os seguintes dizeres: “aqui não reside temor” e os estudantes colocaram outro: “e aqui também não”.
- Foram os repúblicos do Prakistão que fizeram isso.
-Sim, o letreiro foi colocado por cima da Antónia, uma das tabernas mais famosas da cidade que ficava precisamente aqui na casa do cruzador... a casa do cunhal... a casa da renascença que é monumento nacional. Era uma boa casa, famosa na cozinha e no pingado.
- Então a taberna estava no rés-do-chão da República do Prakistão?
-Sim, era a Antónia.
- Agora não existe qualquer sinal dessa Taberna.
-Não. Está tudo fechado!
- Aqui, a seguir à Legião está o edifício da Capela de Santo António da Estrela. É a única estrutura do Colégio ainda existente, a par com a sacristia que foi transformada em capela do Governo Civil. Para tanto, tapou-se a porta de acesso à igreja e fez-se uma entrada independente com a porta principal do Colégio que foi ali encastrada. A igreja era toda revestida de azulejos historiados, a exemplo do que se fez na Capela do Colégio de Santo António da Pedreira. Infelizmente foram todos retirados, mas ainda se podem admirar os que foram colocados na sacristia. Está classificada como imóvel de interesse público. Repare na porta da Igreja de estilo manuelino. Terá pertencido ao palácio que aqui teve o primeiro reitor da Universidade D. Garcia de Almeida. Como sabe, serviu de habitação, agência funerária e é, actualmente, sede da Junta de Freguesia de Almedina.
Foi de facto agência funerária, era a agência funerária do Zé Horta. Representou comigo, coitado! Morreu muito novo... com 31 anos. Foi um dos maiores actores dramáticos de Coimbra. Vi-o representar a Ceia dos Cardeais e outras grandes peças. A Ceia dos Cardeais do Júlio Dantas. Grande peça! Ainda hoje a digo de cor porque eu era o ponto[20].
- Depois ficou a viúva ...
-Sim, a viúva do Horta. Era também uma boa amadora dramática... magrinha, muito bonita, representou grandes peças no Grémio Operário.
- Júlio Dantas, um grande escritor.
-Era, era... O Júlio Dantas escrevia muito bem e eu li muitos dos seus escritos. É claro que ele naquela altura... era uma época política e quem não fosse salazarista era posto no index.
- Bom, mas o Júlio Dantas era da direita republicana e no regime salazarista fez uma aproximação ao Estado Novo que representou externamente por várias vezes. Assimilou, de forma clara, a política do espírito do regime.
-Ainda conheci o Salazar na Casa dos Grilos, onde está hoje a secretaria da Universidade. Tinha as duas janelas, em cima... por cima da capela. Uma era do Salazar e a outra do Cardeal Cerejeira. O Cerejeira mais tarde mudou para uma casa da Rua dos Militares, à esquina da Rua do Arco da Traição.
- Há outros locais importantes...
-Sim, na Rua do Loureiro a D. Virgínia Faria de Gersão que era filha de um farmacêutico de Cernache e era poetisa famosa no seu tempo e reitora do Liceu Infanta D. Maria. Era solteira, alta, boa figura, morava ao cimo da rua, muito perto do Louro Alfaiate, do lado esquerdo de quem entra na rua. Tinha muitas raparigas em regra vindas do Norte, não sei porquê.
- Virgínia Faria de Gersão, grande admiradora de Amélia Janny, disse que esta poetisa sabia escolher os temas que dominam as multidões e a alma bem portuguesa, numa época em que a Literatura pedia tudo ao sentimento, aliando a facilidade de escrever ao seu estro romântico. Mas nessa casa, residência da Virgínia Gersão, está agora uma República.
Está... Sabe que eu morei ali? Nasceu-me lá um dos meus filhos. O António Luís nasceu lá. E então na casa da Gersão que era uma República, faziam-se muitas serenatas.
- E no Largo de S. Salvador?
-No Largo não. Tinha uma padaria. Ficava aí também o prédio do Louro Alfaiate, pessoa com muito dinheiro... Chamavam-lhe o Barão de Formoselha[21].
- Mas nas escadas do Quebra-Costas havia serenatas.
-Sim, ainda agora lá fazem. Vários cantores. Os “Camachos” que viveram na minha casa, na Rua do Loureiro. Eram de Miranda do Corvo. Eram filhos do capitão Camacho.
- Diz-se que não se podiam ver
-Sim, não se podiam ver. Um andava em Medicina e o outro em Direito. O Augusto Camacho foi para Lisboa. Tem piada que um deles era forte e o outro mais fraquinho. Assistimos a serenatas dele próprio e do Anarolino Fernandes e outro cujo nome não tenho presente que era dono do Hotel Infante Santo do Porto, na Praça Carlos Alberto.
- E o cantor que morou na Rua dos Coutinhos?
-Era o Lucas Junot. Foi cantor do Orfeon. Era fanhoso. Ele trouxe para Coimbra as canções da Beira Baixa. Foi gravar a Paris com o Flávio Rodrigues[22].
- Bom, o Lucas tinha uma extraordinária sensibilidade artística e foi um dos protagonistas da chamada época de ouro da Canção de Coimbra, contribuindo decisivamente para a afirmação da sua identidade própria. Como sabe, Junot era natural do Brasil como o seu grande amigo Divaldo de Freitas, estudisos da Canção de Coimbra, numa altura em que poucos portugueses se davam conta da “revolução artística” que então se operava nos acordes das guitarras. Nesse tempo de grandes intérpretes é bom recordar, a par com o Lucas, também o Armando Goes, o Edmundo Bettencourt e o Paradela de Oliveira. Mas o Flávio Rodrigues?...

SERENATA
“(…) Era um desfilar de modinhas singelas, típicas, com sabor a cancioneiro ingénuo... ¾ Ó estrelinha do norte... ¾ cantava a voz. Elevava-se muito pura, no silêncio... As guitarras esmoreciam, logo secundadas pelo desfalecer do violão, cheio de sons graves”.
(Agustina Bessa Luís)

-Sim o Flávio era acompanhado à viola pelo irmão Fernando. Andavam sempre de boina. O Fernando era um viola distinto.
- O Flávio, ... mestre-futrica com profissão de barbeiro também chamado o “Flávio da Guitarra”. Era filho de outro grande guitarrista, o António Rodrigues da Silva[23]. Morou a meio da Rua dos Militares, muito perto da Feira dos Lázaros. Ensinou muitas gerações de estudantes a tocar guitarra de Coimbra. Todas as pessoas que me falam dele referem a sua grande humildade e simplicidade. Foi compositor, improvisador, de grande técnica e capacidade estilística que deixou escola. Estas referências que chegam até nós parecem indiciar a ideia de que o Flávio foi um precursor do Artur Paredes. Concorda?
-Não. O Artur Paredes é o pai da guitarra em Coimbra. Eram vizinhos. O Artur Paredes era da Alta e depois foi morar para a Baixa onde nasceu o Carlitos, o que está ainda hoje em Lisboa com nielopatia (hérnias na medula)[24]. Foi funcionário do Banco Pinto & Sotto Mayor[25]. Tinha um irmão que era relojoeiro na Rua do Rego de Água. Era o Paredes. Também tocava guitarra mas não tinha a qualidade do irmão. A relojoaria era pegada com a mercearia Salazar, em frente ao Machado de Castro. - Mas essa mercearia não tinha nada a ver com Salazar. Seria da família dos “Salazares” que moram na Couraça de Lisboa?
-Sim. Era sim senhor. Também tinham outra mercearia na Rua da Trindade.
- Como acaba de afirmar, há quem considere o Artur Paredes como o maior guitarrista português de sempre, mas o filho terá sido superior no campo da execução e no campo da criatividade ninguém terá conseguido imprimir à guitarra portuguesa uma expressão tão coimbrã como Carlos Paredes, nas suas magníficas composições. A sua modéstia e humildade aliados ao seu poder extraordinário de execução fazem-nos discernir que ali há genes herdados do seu avô Gonçalo Rodrigues Paredes e do seu tio-avô Manuel Paredes, mas sobretudo do seu pai Artur Paredes. É que a expressividade, a beleza, a harmonia que nos transmitem as suas guitarradas são a consequência dessa herança dos seus ancestrais.
-O Flávio Rodrigues era um bom professor, foi sempre um bocadinho independente e não costumava acompanhar os estudantes nas serenatas. Nessa altura morreu o indivíduo que foi com ele a Paris, que era o irmão do Louro, que cantava muito bem. Foi encontrado morto nas escadas da igreja de S. Salvador. Esse rapaz era empregado dos Correios. O Louro tinha um irmão. Era o Augusto Louro, companheiro do Flávio. Era Salatina, moreno e elegante, consagrado tocador de violão[26].
- O Augusto Louro andava muito nas boémias com os estudantes.
-Sim. E foi isso que o matou. Ele era funcionário dos Correios. Sentou-se um dia para ir para os Correios nas escadas de S. Salvador e lá morreu. Esteve em Paris com o Lucas Junot[27] e com os dois irmãos... eles eram três irmãos, um deles foi assistente de Urologia do Doutor Ângelo da Fonseca: o Horácio Menano, o Paulo Menano e o António Menano[28].
- Eles não eram três, mas sim seis irmãos. Havia também o Alberto, o José, e o Francisco Menano, grande guitarrista, vindo dos anos de 1907-1912. Aliás, os irmãos Menano faziam parte de um consagrado número de artistas dessa época que marcaram definitivamente a emancipação do que passou a chamar-se, para muitos incorrectamente, o Fado de Coimbra. A história da Canção de Coimbra desse tempo terá de trazer à memória do nosso tempo nomes famosos como: Gonçalo e Manuel Paredes (pai e tio de Artur Paredes), Agostinho Fontes, Almeida d’Eça, Paulo de Sá e outros. O António Menano, esse grande cantor. Foi um dos melhores intérpretes e compositores da Canção de Coimbra de sempre. Ficou conhecido por "o Rouxinol do Mondego", pelo timbre aveludado e potente da sua voz. Compunha a maior parte das canções que cantava. António de Almeida Santos contou que quando a sua voz se ouvia no silêncio da noite, Coimbra abria as janelas, retinha a respiração, e as senhoras de todas as idades romanticamente suspiravam. Fazia reviver a mensagem da Canção Coimbrã ouvida até aos confins da cidade pela repetição dos ecos que se renovavam de colina em colina.
-Um deles ainda o vi na Bairrada na casa daquele famoso candidato à presidência da República[29].
- Era o Arlindo Vicente. Amigo de vários intelectuais da década de 30: João Gaspar Simões, Vitorino Nemésio, Afonso Duarte, Miguel Torga, José Régio, e tantos outros. Tinha um excelente acervo de retratos, óleos e carvões dos encontros com esses amigos. Colaborou nas revistas Presença e Vértice com várias ilustrações e em outras publicações. Fez parte de duas importantes tertúlias de amigos - a do Café Chiado e a da Pastelaria Veneza - com Ferreira de Castro, Câmara Reis e muitos outros. Foi várias vezes advogado de defesa de réus acusados de crimes de natureza política. Foi também candidato pela oposição democrática às eleições para deputados de 1957. Participou em várias actividades da oposição democrática. Continuou.
-Perto da casa do Arlindo Vicente, em Oliveira do Bairro, num dia de chuva... chuva de Maio, aparece um funeral. Uma carreta com um caixão com uma sineta à frente e outros preparos... e um homem com um banco. Não vinha na carreta, vinha à mão de quatro homens. Chegaram à encruzilhada, pararam, pousaram o caixão e então a mulherzinha toda em crepes, era acompanhada de uma rapariguita e tal... um garoto e duas ou três pessoas. Quem estava parado, mesmo em frente do restaurante dos leitões era o António Menano... dentro do carro. Foi o meu amigo Américo que disse assim: Olha quem ali está, o Menano! ... Estava num carro engraçado, americano, com a carroçaria da parte de trás em madeira envernizada, muito bonito... um daqueles carros que usavam muito no Ultramar. A certa altura abre-se a porta e ele sai e diziam os rapazes, um deles está em Aveiro, o pai era o bedel das Ciências, agora não me recordo o nome... e ele olha e diz assim, é o Dr. António Menano... aos anos que a gente não via. O Menano dirigiu-se ao padre, estava assim uma chuva miúda, Maio e tal, e ele disse qualquer coisa ao padre, chamou-o para o carro, sentou-o ao lado dele e depois disse aos quatro homens que traziam o caixão, eram quatro homens e aquilo tudo. Metam-no aqui dentro do carro... porque a parte de trás era carroçaria de madeira muito engraçada, esquadriada, os americanos tinham muito daqueles carros. Meteram o caixão no carro, grená, muito bonito, a viúva lá se sentou com o garotito ao pé dela e disse para os outros: agora meus amigos, se vocês quiserem indicar-me o cemitério! Havia assim umas árvores à distância, para o lado do Caramulo, umas árvores altas, e ele lá foi levar o morto ao cemitério.
- Mas há aqui uma coisa que nós passámos. O Pátio do Castilho.
-Aí havia fogueiras que rivalizavam com as do Romal.
- E no Pátio do Correio Mor?
-Esteve aí a sede do União de Coimbra. Também havia lá fogueiras. Vi lá o Calmeirão mandar as fogueiras.
- Há, o Calmeirão, o sapateiro mandador das fogueiras tradicionais de Coimbra que viveu muitos anos na Alta, na Rua das Covas.
-Sim, esse mesmo. O António Monteiro que todos conheciam por “Calmeirão”. Alto, seco e magro e de andar largo e desengonçado, era também portador de uma invulgar “maçã-de-Adão”, sempre em movimento, o que lhe emprestava um aspecto pouco comum. Era um espectáculo. Sapateiro de profissão, bom artista e de contas lisas - muito honesto - era, porém, um produto acabado de Salatina. Nado e criado na Rua das Covas ou de Borges Carneiro, era senhor de um espírito muito vivo, repentista consumado, um pouco irreverente, de chalaça sempre pronta, por vezes cáustica, sempre alerta para dar troco a qualquer interlocutor, fosse ele quem fosse.
- De facto, o que sempre notei, é que, apesar de o “Calmeirão” ter falecido há cerca de 50 anos, ainda hoje os habitantes da alta o recordam como o último grande mandador de fogueiras[30].
-É verdade que o “Calmeirão” organizador nato das típicas fogueiras, desde muito novo alcançou o lugar insubstituível de mandador mor nas danças de roda tão características de Coimbra. Sobressaía e sobrepujava-se aos outros mandadores rivais, especialmente aos das fogueiras tão famosas do velho Romal. Havia naquela época um famoso João Canouco, os manos Tristes, o Joaquim Olaio e muitos outros mandadores, cujos nomes se esfumaram na voragem do tempo.
- Mas, voltando às Serenatas da Alta...
-Onde eu vi mais serenatas foi à porta do Patronato. Conheci lá muitas raparigas. Alguns mirones iam para lá à noite espreitá-las. O que eu recordo mais era ver passar ali à minha porta os homens daquele famoso jornal académico, a Presença. Então, essa família de Vila do Conde de três irmãos, o José Maria dos Reis Pereira, mais conhecido pelo pseudónimo de José Régio.
- No entanto, o presencismo que era sobretudo uma corrente literária, não muito homogénea, tinha outros grandes produtores literários e teorizadores dessa corrente...
-Sim, o João Gaspar Simões, o Branquinho da Fonseca...
- E o Edmundo Bettencourt? Foi também um presencista
Um grande cantor. Trouxe para Coimbra as canções da Beira Baixa. Uma delas recordo muito bem, a Senhora do Almotão. Ali para a Beira Baixa há canções muito bonitas e o Bettencourt contribuiu muito para a sua divulgação.
- E no início da Rua João Jacinto, também conhecida por Rua da Esperança?
Está aí o palacete do Doutor João Jacinto que era sogro do Aires de Campos, filho do Conde de Ameal.
- Sim, o João José Cochofel Aires de Campos.
-Um dia vinha o Doutor José Alberto dos Reis a sair, desceu a Rua de Sobre Ribas e vinha a passar aquele homem famoso, tipógrafo que morava na Casa das Cruzes, o Luís Pio que vinha a fazer um cigarro e a certa altura diz “boa noite Sr. Doutor”. O Luís Pio era tipógrafo da Coimbra Editora que nessa altura estava e ainda está no Arnado e o Doutor Alberto dos Reis olhou para ele e disse, “o Sr. Conhece-me?”... “Então não conheço o Sr. Doutor Alberto dos Reis, um dos donos desta merda toda!”... Isto é autêntico.
- É de facto corajoso dizer-se isso a um professor universitário que foi Mestre e amigo de Salazar[31].
Mais acima, no número 13, estava a sede dos Divodignos que mataram os lentes e foram enforcados na Praça Nova no Porto, meses depois, foram apanhados a seguir a Condeixa, num sítio onde se travou uma batalha com as tropas de Massena.
- Sim, isso foi no lugar do Carapinho, concelho de Condeixa. Os Divodignos eram uma Associação Secreta sediada na Rua do Loureiro n.º 13. No dia 17 de Março de 1828 assassinaram os professores que integravam a deputação da Universidade que ia a Lisboa cumprimentar D. Miguel. Entre estes contava-se Mateus de Sousa Coutinho que em 1809 comandava as tropas que foram a Lisboa entregar, para resguardo, bens patrimoniais da Universidade de Coimbra.

Coimbra, 28 de Janeiro de 2002. O último encontro com Luís Salatina ocorreu na sua residência da Rua de Moçambique - Bairro Norton de Matos. Momento para evocar grandes amigos dos tempos em que a Alta estava prestes a ceder ao camartelo. Tempos difíceis, mas também de gratas memórias gravadas de forma perene na sua mente. Só a morte o separará dessas recordações que marcaram para sempre o sentido da sua vida. São um repositório de acontecimentos que influíram decisivamente no seu modo de olhar a sociedade.
- Os salatinas reuniam muitas vezes, perguntei.
-Reuníamos, principalmente nos Conimbricenses onde fui dirigente, que era no Largo da Feira. Tínhamos futebol, sessões de poesia, teatro e outras actividades. Passávamos pela Rua Sá de Miranda. Nasceu aí o Francisco Sá de Miranda que era filho de um cónego da Sé.
- É verdade, era filho do cónego Gonçalo Mendes de Sá e de D. Inês de Melo. Teve 12 irmãos, dos quais oito não foram legitimados. Sá de Miranda foi um deles. A bastardia trouxe-lhe algumas dificuldades. Tem-se como bastante provável que o dito de Gil Vicente aos clérigos coimbrãos que, com mui largas pousadas, mantinham as regras das vidas casadas, lhe era dirigido... E outras actividades?
-Jogávamos principalmente ao pião. Era difícil fazer jogos pelas ruas porque a polícia vigiava e tínhamos o Governo Civil ali perto. Os polícias, com chapéu em forma de coco, batiam-nos com o chanfalho, uma espécie de espada que eles traziam. Batiam com ela de chapa, nas costas. No alto do Castelo fazíamos a Feira dos Lázaros.
- Recorda-se da Feira dos Lázaros?
-Eu?... Tão bem! Apreciávamos muito aqueles brinquedos (os acrobatas), os chupa-chupas.
- A Feira assinalava o “Domingo dos Lázaros” e acontecia no Largo do Castelo no Domingo de S. Lázaro. Era frequentada por familiares e amigos que vinham visitar os doentes internados. Foi ponto privilegiado de encontro de gentes da Alta e de fora que se viam nestas Feiras. Aqui se juntavam os futricas da “Baixa”, os chibatas do “Sousa Bastos” e outros habitantes da cidade. Era local de convívio e sobretudo oportunidade para ver, saborear ou comprar produtos como o manjar-branco, pastéis de Santa Clara, amêndoas, bananís, carapaus e sardinhas de escabeche, chouriço assado, broa e vinho da mãe. Vendiam-se também, moinhos de papel, sacos de pano feitos à mão, brinquedos de madeira e lata... artigos de verga. E aquelas galinhas feitas pelos leprosos com miolo de pão a que chamavam passarinhos, que eram feitos pelos doentes para vender no único dia do ano em que podiam receber visitas?... Os passarinhos, também chamados “Lázaros”, feitos com farinha e penas de galinha, que eram vendidos pelos leprosos que para tal se aproximavam dos muros do Hospital.
-Sim, mas eles mais tarde já não faziam. As autoridades meteram-se nisso por causa deles serem leprosos... e tal.
- Diz-se que a pequenada divertia-se com os vários brinquedos do tempo como as bolinhas feitas de serrim, os trapezistas e os macacos articulados, os carrinhos de madeira, os pássaros que mexiam as asas, os ciclistas articulados e outros brinquedos feitos de madeira e de folha de flandres. Os Salatinas contam também que os mais lambareiros atiravam-se aos bananís, aos sonhos, às arrufadas, aos medalhões de açúcar, aos colares de pinhões, aos tremoços, às pevides e até aos pastéis de Santa Clara.
A hora da visita aos hospitais, cerca das 15 horas, era também o momento mais alto da Feira. Os doentes do Hospital da Universidade e do Hospital do Castelo ou dos Lázaros eram presenteados pelas guloseimas oferecidas pelos familiares e amigos. Desapareceu com a destruição da Alta para construção da Cidade Universitária. Foi reposta pelo Grupo Folclórico da Universidade de Coimbra - Casa do Pessoal, no actual Largo D. Dinis... Um dos leprosos (era jardineiro) morreu já de provecta idade. Era um riquíssimo hortelão. Havia aquele muro dos Lázaros, por ali abaixo, na Ladeira do Castelo, e a gente via os canteiros que ele fazia.
- Foi o último dos Lázaros?
-Não, foi o penúltimo, o último foi uma senhora que foi para o Hospital Rovisco Pais construído por Bissaya Barreto.
- Voltando à Sé Velha...
-Nesse tempo não havia escadaria. O que havia era uma grade que delimitava o Adro antigo[32]. Não me recordo lá de serenatas, porque não tinham possibilidades de as fazer. As Serenatas só começaram a ser feitas depois que fizeram as escadas no topo. Ouvi cantar ali perto, na Rua dos Coutinhos, o Paradela de Oliveira.
- Paradela de Oliveira, outro dos cantores da geração de oiro da Canção de Coimbra, o tenor de voz potente e sensibilidade rara como nos refere António Almeida Santos... E junto do Mondego?
-A única coisa que me recordo, era eu rapaz, foi fazerem serenatas de barco. Ainda antes da Praia Fluvial. A primeira Praia Fluvial foi em 1936.
- 1936. Ano em que Eugénio de Castro pede a demissão da Comissão de Obras da Cidade Universitária porque um dos projectos destruía a sua própria casa, tal como veio a acontecer. Ano das Festas do Centenário da Rainha Santa, em que a procissão em sua honra passou pela primeira vez na Alta. Setembro desse ano, foi o mês do século com maior precipitação, com 120,4 litros por metro quadrado quase todos caídos durante a tarde do dia 29. No dia seguinte houve um grande comício salazarista e anticomunista em Coimbra. Mas, os futricas, que música tinham?
Os futricas tinham as fogueiras. Na altura o fado era sobretudo o Fado Académico. Ainda recordo lindas melodias de Coimbra dançadas em todo o país. Os ensaiadores de todo o Portugal eram de Coimbra.
- Eram de Coimbra?
-Sim senhor.
- Há muito boas quadras dessas canções de Coimbra.
-Recordo-me de famosas canções das fogueiras, porque tinham marcações especiais. Os viras, que não eram bem de tradição coimbrã, são minhotos. Mas também as canções de Coimbra eram cantadas nesses Ranchos famosos do Norte.
- Mas, os habitantes da Alta normalmente reuniam-se em determinado sítio, tocavam e cantavam.
-Pois, não se esqueça que o José “Trego” fundou um clube que durou durante muitos anos. Era o Recreativo da Couraça de Lisboa, 50 metros abaixo do CADC, actual Justiça e Paz.
- E as Tabernas?
-Conheci muitas Tabernas. A mais famosa de toda a Alta era a Ana da Venda do Arco do Castelo, à esquina da Rua dos Militares e Rua do Guedes. Ali os estudantes e também os futricas em dias especiais como o Domingo de Lázaros, comiam a sardinha de escabeche, as pataniscas ou os bolos de bacalhau acompanhados com o branco ou tinto. Por lá passava o “Lambúfia”, o “Formiga” e outras figuras típicas da Alta à espera de uma oferta de um copito. Também conheci o Carlos que foi um sócio da Taberna da Ana da Venda e que foi morar para a Rua dos Anjos... Havia o Manel do Buraco que era famosa já no tempo do Queiroz, na Rua dos Penedos. Sabe que aquilo era tudo rocha e a Taberna foi escavada na rocha. O Eça fala no Manel do Buraco... e fala na Tia Camela que eu não conheci. Era ao lado da Associação Académica onde foi, mais tarde um engraxador. Era a tasca mais famosa da Alta, a Ti Maria Camela, a do peixe frito. Havia também a tasca do Manel do Seminário a meio da Rua dos Militares que tinha por cima a Real República Ribatejana, eram todos ribatejanos.
- Mas havia ainda mais tabernas na Alta!
¾Sim, por exemplo a Taberna do Amadeu... a Taberna do Manel da Cabaça e à entrada da Rua da Trindade havia uma taberna de um espanhol. Havia muitos espanhóis na Alta, sobretudo padeiros. Na Rua dos Lóios havia a melhor padaria desse tempo. Era espanhola, no único edifício que havia do lado esquerdo que fazia esquina que era o restaurante Paris, dum homem que morreu há poucos anos...
- Essas tabernas eram frequentadas por estudantes?
-Eram frequentadas pela população em geral, sobretudo homens e também estudantes.
- Faziam-se umas paródias? Trinava-se uma guitarra?...
-Sim, isso acontecia... Ali para o Manel do Buraco, numas casas muito perto, havia lá um rapaz que era barbeiro e um cego... o Jacinto Cego, que tocava muito bem viola... e esse rapaz, barbeiro, acompanhava-o pela cidade toda mas por amizade. Eram todos do grupo do Zé Trego. O Jacinto Cego tinha sido poeta no seu tempo, e tinha um rapaz, como é que ele se chamava... era Flávio. Conheci-o muito bem.
- Sr. Luís Salatina, penso que ainda não falámos na Rua de S. João.
-Rua de S. João ou do poeta Sá de Miranda. Era uma rua muito direita que atravessava o Arco do Bispo até à Couraça de Lisboa. Cá em baixo tinha um largo onde havia uma padaria que era do Miranda. Neste largo também fizeram fogueiras. Morava também ali um encadernador que era o António Maria Correia, mais conhecido por Massa Rara. Teve lá muito bons encadernadores. Saíram de lá mestres. Conheci alguns. Ele morava por cima da encadernação e tinha um filho que era muito pedante. Perto da porta da encadernação havia uma janela onde se via um tipo a gravar... e tal e havia também um banco de jardim onde se sentavam a conversar. Veja lá o típico que era aquele larguito ali. O Largo de S. João. Mais tarde apareceu a linha do eléctrico que passava pelo Arco do Bispo e desaguava ali para a Rua Larga, porque ao cimo, à esquina era o Pirata, o Joaquim Pirata, chamado erradamente o Pirata porque o Pirata era o Neves que tinha a livraria. A porta do café estava virada para a Rua Larga. Depois passaram a chamar Pirata ao Joaquim, que era de Condeixa.
- O Joaquim Pirata de Condeixa tinha...
-Tinha um café com duas salas e uma grade, uma porta-varanda onde ele tinha o balcão e servia os cafés e tinha dentro as paredes completamente preenchidas por quadros de cursos que lhe ofereciam. O Joaquim era analfabeto e quem assentava a despesa eram os próprios estudantes. Ao fim de muitos anos... quantas vezes eu vi... um deles, um advogado famoso, que era ali de Condeixa, o Calhordas, como o tratavam... tinha umas filhas muito engraçadas... oferecer-lhe, naquele tempo, um conto de reis, para ele ao menos lhe deixar levar a folha onde ele tinha os seus “calotes”.
- Nesse tempo um conto de reis era uma fortuna.
-Era, mas ele não aceitou. O livro foi muito cobiçado pelos antigos estudantes que voltavam a matar saudades. Vi eu, muita vez esses estudantes a chorar agarrados ao livro. Uma vez um professor, reitor do liceu de Aveiro... muito conhecido, um dos boémios de Coimbra, tocava muito bem guitarra... de volta dele - Ò Joaquim, eu pago-te o que tu quiseres por esse livro - Ò Sr. Doutor, sou muito seu amigo mas estes livros alguém me indicou que não posso vendê-los. Estão no Museu Académico. Ele tinha uma varandinha de ferro fundido para o lado da Rua de S. João, pegada ao balcão e nessa sala do balcão... a sala preferida de todos, tinha em toda a volta os quadros dos cursos. Havia até pessoas que lá entravam para ver o quadro do curso do Salazar. Estava à entrada, do lado direito. Só tinha duas ou três mesitas para quem se quisesse sentar
- O Café era pequeno...
-Sim, sim. Dez pessoas enchiam aquilo tudo.
- O Jesuíta era maior?
-Era. Era ao comprido em frente. Tinha sido uma mercearia, depois foi salão de bilhar. Uma vez vi um estudante de direito... pegou numa bola de bilhar e atira-a ao espelho... um espelho estilo francês muito bonito... e a bola parte o espelho. É verdade... esse rapaz morreu na miséria em Lisboa. Era o Jorge Lim. Bom estudante e com altas classificações e isso tudo, mas, coitado... o vício do álcool matou-o.
- Portanto o Jesuíta, antes de ser café, era bilhar.
-Era uma mercearia. Foi café no tempo do Jesuíta, que era de Cernache. Foi fiscal dos eléctricos muito tempo. Conheci-o muito bem. Homem forte. A residência dele era por cima do café. Por cima da residência era a casa de prego da Caixa Geral de Depósitos. Tinha lá um funcionário que morava na Rua Fernandes Tomás, a rua principal da cidade antes de abrirem a Rua Ferreira Borges e Visconde da Luz, porque foi no reinado de D. Pedro V. E aquela era a rua principal da cidade.
- E tudo a ignorância dos destruidores da Memória da nossa Alta levou!
-No tempo do Salazar, quando veio a Coimbra e assomou a uma janela do Instituto Jurídico virada para a Rua do Norte e viu a Faculdade de Letras disse a um lente - Isto parece uma fábrica! Isto parece uma fábrica!. - A maior pena foi as demolições das igrejas e das obras de arte.
- Foi tudo. Tudo era importante.
... E o Duarte Pacheco não foi um dos principais culpados desse desastre?
- Não faltavam sítios em Coimbra para fazer a cidade universitária.
As pessoas que, como o Luís Salatina viveram tantos anos na Alta Desaparecida, reunindo memórias, participando na vida colectiva do bairro, sentem uma dor de alma ao recordar momentos e vivências que já não têm um espaço físico que testemunhe os eventos em que estiveram envolvidos. Nulla res nata. O reino do nada, o não-ser vai ocupando a consciência, transformando-a em vazio. Mas Luís Salatina resiste, fala com os amigos da sua Velha Alta como se ela tivesse vida, como se ainda existisse. É a luta pela defesa da sua Alta - defesa da memória da parte destruída e defesa da memória das vivências humanas - que o alimenta e lhe dá a firmeza e a solidez dos 86 anos vividos com amor e dedicação à divulgação do património construído e humano da Colina Sagrada.
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NOTAS
(*)Augusto Simões Alfaiate. Nasceu a 11 de Março de 1939. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Participou na organização de vários Encontros e Colóquios sobre questões/soluções para preservação do Património tendo apresentado comunicações, designadamente: Situação Social e Habitacional da Freguesia de Almedina, no .º Encontro sobre a Alta de Coimbra e ALTA DE COIMBRA - A Difícil Recuperação, no Encontro Nacional de Associações de Defesa do Património Construído. Colaborou no Dicionário Enciclopédico das Freguesias, 2º. Volume, editado por MINHATERRA - Estudos Regionais de Produção e Consumo Lda. Foi Presidente da Junta de Freguesia de Almedina, Presidente da Assembleia de Freguesia de Almedina e Deputado Municipal. Foi o autor da ideia da realização da Feira Medieval de Coimbra que apresentou em 1990 à então Comissão Instaladora da ADDAC - Associação para o Desenvolvimento e Defesa da Alta de Coimbra. Esteve na direcção de Associações e Instituições de carácter social, cultural e desportivo. É Presidente e sócio fundador da ADDAC e também fundador da Associação AL Medina. É membro da Direcção das seguintes Associações e Instituições: Casa de Infância Dr. Elysio de Moura, Centro Social Paroquial da Sé Velha, Colégio dos Órfãos de S. Caetano, Guardiães da Sé Velha, MAC - Movimento Artístico de Coimbra e Vice-Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra.
O presente texto foi solicitado ao Dr. Augusto Alfaiate em 2001, com vista a integrar um dos capítulos da obra colectiva “Imagens e Representações da Canção de Coimbra”, a qual se viu adiada sine die. O entrevistado, Sr. António Ferrão (Luís Salatina), uma das últimas memórias vivas da Velha Alta Salatina coimbrã, faleceu em 2005. O texto recebeu diversas anotações complementares de António M. Nunes, com vista a precisar lapsos de memória do entrevistado. Publicação autorizada pelo autor em 18 de Outubro de 2005.
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[1] Inaugurada a Praia Fluvial na época estival de 1936. Data importante, pois em Julho de 1936 decorreu a última serenata fluvial futrica em honra da Rainha Santa, nela tendo pontificado o famigerado tocador de violão Zé Trego.
[2] De realçar que desde os inícios do século XX se mantinha activo no Alto de Santa Clara o Rancho das Flores. As suas cantorias e danças, estreadas anualmente nos arraiais de São João, faziam-se ouvir com grande nitidez na Baixa da cidade. Segundo testemunho do já invocado Zé Trego, o Rancho das Flores foi parte activa nas serenatas fluviais dadas em barcas serranas em honra da Rainha Santa. Recorde-se que na serenata de Julho de 1892, realizada em louvor da Rainha Santa e em homenagem à família Real portuguesa, as melodias se fizeram ouvir nas janelas do Observatório da Universidade (onde assistiam os Braganças).
[3] Afirmação de acordo com Virgínia Faria de Gersão. Amélia Jany (Coimbra, 1841; idem, 1914), a fazer fé nas fotografias visualizadas, não era particularmente formosa. Para uma visão da sua produção poética dispersa, vide João Jardim de Vilhena, Uma página das minhas memórias... Amélia Jany, Coimbra, Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Volume XXV, 1961, pp. 5-14. Para um escorso biográfico acompanhado de fotografia, vide Augusto Carlos Cardoso Pinto Osório, Figuras do passado, Lisboa, Typographia Editora José Bastos, 1915, p. 205 e ss.
[4] Camilo de Almeida Pessanha nasceu em Coimbra, corria 1867. Formado em Direito no ano de 1891, radicou-se em Macau a partir de 1894, cidade onde viria a falecer em 1926. Em Macau dedicou-se ao professorado e à advocacia. Luís Salatina refere-se neste trecho a 1916, data em que Pessanha visitou Portugal e demorou em Coimbra, revisitando a cidade dos primeiros anos e procurando remédio para a saúde debilitada. O livro de poemas Clepsidra foi editado em 1920.
[5] A Igreja do Colégio da Trindade ruiu aparatosamente em 1988, tendo obstruído a Couraça. Durante a noite, e na falta de vigilância, foram delapidados capitéis, pedras lavradas e inúmeros azulejos.
[6] O Dr. Jorge Seabra, estudante de Direito entre 1913-1918, evoca Madame Chardonay, moradora na Couraça, a passar dos setenta anos, extravangante, baixota, roliça, envergando roupas e penteados que motivavam grande risota na cidade. Os rapazitos provocavam a Chardonay e atiravam-lhe pedras. Tocava mal piano e os estudantes vinham pedir-lhe “pianadas” entre fingidas súplicas, arremedos de cacarejos de galo, falsos aplausos. Tocar, a Chardonay apenas tocava a Marselhesa e mal. Cf. Jorge Seabra, A Coimbra Académica do meu tempo (1913-1918), Porto, Livraria Tavares Martins, 1948, pp. 29-31.
[7] José Maria dos Reis Pereira (1901-1969) era natural de Vila do Conde. Feito o Liceu do Porto, frequentou a Faculdade de Letras entre 1920-1925. Viveu em Coimbra em 1926-1927, frequentando a Escola Normal Superior. No início do ano lectivo de 1928 foi colocado no Liceu Alexandre Herculano do Porto. Em 26/11/1929 foi nomeado professor do Liceu de Portalegre. Fado, obra dada à estampa em 1941, não é uma letra para “um fado”. Num dos poemas desse livro, Balada de Coimbra, o poeta evoca os lugares da juventude, Artur Paredes e a voz de Edmundo Bettencourt.
[8] Refere-se à Residência Universitária João Jacinto, aberta no ano lectivo de 1979, com grande descontentamento das comissões de moradores que desejavam o prédio para habitação dos salatinas. Na década de 80 ainda se podiam ver as fachadas da Residência pejadas de frases “revolucionárias”, a negro e vermelhão, exigindo direito a habitação. Esta construção, pela solução das fachadas, tipo materiais empregues e altimetria exagerada, fere gravemente o traçado urbano da velha Alta.
[9] Os encontros em casa de Cochofel não se destinavam inocentemente a ingestão de café, torradas, chá, e audições musicais, a atendermos aos rumores que então corriam na cidade. Cochofel aproveitava o palacete familiar para reuniões clandestinas do Partido Comunista. Sobre este assunto, Alberto Vilaça, Para a história do PCP em Coimbra (1921-1946), Lisboa, Edições Avante, 1997, p. 184. João José Cochofel nasceu em 1919. Foi um dos organizadores do Novo Cancioneiro. Publicou, entre outros, Instantes (1937), Búzio (1940), Sol de Agosto (1941) e Descoberta (1945).
[10] A edição de Cadernos da Juventude, publicada por estudantes afectos ao PCP em 1937, foi quase integralmente apreendida pela PIDE e queimada nas dependências do Governo Civil (o então Colégio dos Lóios).
[11] Oriundo de família fidalda, Eugénio de Castro nasceu em Coimbra no ano de 1869 e faleceu na mesma cidade em 1944. Frequentou o Liceu de Coimbra e o Curso Superior de Letras de Lisboa. Foi jornalista, diplomata e em 1914 ingressou no corpo docente da Faculdade de Letras de Coimbra. Doutorado em 1916, tinha publicado Oaristos em 1890.
[12] D. José do Patrocínio formara-se na Faculdade de Teologia da UC em 1906. No seu tempo de estudante fora boémio de alta estirpe, exímio jogador e barítono seranateiro de voz reclamada e aplaudida. Tinha então a alcunha de Petrónio Teológico. Participou na Primeira Guerra como capelão militar e findo o conflitou foi despachado Bispo de Beja.
[13] O Dr. José Paredela de Oliveira nasceu em São João da Pesqueira no ano de 1904 e faleceu em Madrid em 1970, vitimado por uma congestão. Estudou Direito em Coimbra, de 1924 a 1927, e terminou a licenciatura na Universidade de Lisboa em 1930. Primeiro tenor aplaudido, deixou discos gravados, sendo autor de diversas árias da Canção de Coimbra. Em Lisboa, além de advogado brilhante, destacou-se como opositor ao regime de Salazar, sendo um dos advogados com currículo feito na barra do Tribunal Plenário Criminal da Boa Hora, onde defendeu, por exemplo, Carlos Paredes. Era republicano e democrata. Apoiou abertamente as campanhas presidenciais de Quintão Meireles, Norton de Matos e Humberto Delgado.
[14] Raul Lino é ainda autor do risco do Jardim Escola João de Deus, inaugurado por 1911 no espaço entre o Jardim Botânico e o Seminário de Coimbra.
[15] Exerceu o cargo de Reitor da Universidade entre 1919 e 1921. Nasceu em Lagoa, Ilha de São Miguel, a 7 de Julho de 1842 e faleceu em 24 de Janeiro de 1921. Estudou Medicina desde Outubro de 1864 e Doutorou-se em 1870. Foi ainda Provedor da Misericórdia (1886-1888), Administrador dos Hospitais da Universidade, Director da Faculdade de Medicina (1911-1917).
[16] Natural de Vila Flor (1893-1969). Formado em Medicina em 1917 e doutorado em 1919. Exerceu o cargo de Reitor entre 1943 e 1960, período forte das demolições operadas na antiga Alta. Amigo pessoal de Salazar e colaborador do regime. Enquanto estudante, foi homem de serenatas, no canto, na guitarra e na rabeca.
[17] Lendária prostituta, ainda viva no final dos anos 40. Aparece na literatura memorialística dos antigos estudantes pudicamente referida como “a C reticências de aço”. Nos anos terminais de vida costumava passar o tempo à janela e sempre que via estudantes convidava-os para dois dedos de conversa, recordações de juventude, amostra de fotografias de velhos clientes. De quando em vez abria o rol dos clientes, onde constavam nomes perdidos na bruma como Sidónio Pais e o casto Cardeal Cerejeira.
[18] No antigo Largo da Igreja de São João de Almedina se fizeram decantadas serenatas entre finais do século XIX e inícios do século XX. Ali serenatearam Augusto Hilário e Antero da Veiga. Ali dançou durante anos, pelo São João, o Rancho Esperança (rival do da Rua Larga), com quem colaborou o guitarrista Francisco Menano.
[19] José Lopes da Fonseca (Coimbra, 1883; idem, 1976). Barbeiro, actor amador, ateu, republicano, avesso ao Estado Novo, serenateiro, emérito tocador de violão.
[20] Júlio Dantas (Lagos, Algarve, 1876; Lisboa, 1962), publicou A Ceia dos Cardeais em 1902.
[21] Alexandre Louro (1899-1985), alfaiate, tenor de boa voz, entrou em operetas de récitas populares e cantou em serenatas futricas.
[22] Lucas Rodrigues Junot (Santos, Brasil, 1902; idem, 1968). Guitarrista e cantor, gravou em Londres, no mês de Maio do ano de 1927 vários discos para a Columbia, nos quais canta e toca guitarra, acompanhado pelo tocador de violão do Fado de Lisboa Abel Negrão. Mantemos no texto as declarações de Luís Salatina, frisando que não são correctas. Junot não gravou quaisquer discos com Flávio Rodrigues, embora tal rumor corra na tradição oral coimbrã salatina. Também não trouxe para Coimbra canções tradicionais da Beira Baixa, ao contrário do que fizeram, eles sim, os cantores José Roseiro Boavida e Edmundo de Bettencourt.
[23] Flávio Rodrigues da Silva (1902-1950), barbeiro, guitarrista e compositor amador.
[24] Artur Paredes (1899-1980). Morava na Rua Antero de Quental, sendo casado com Alice Candeias Paredes, quando em 16 de Fevereiro de 1925 nasceu Carlos Paredes.
[25] De acordo com as informações mais seguras, Artur Paredes foi funcionário do Banco Nacional Ultramarino.
[26] Augusto da Silva Louro (1903-1927). Um seu familiar, Eduardo Mamede, in Diário de Coimbra, edição de 23 de Junho de 1993, indica Agosto de 1926 para a data do óbito. Deve tratar-se de gralha tipográfica, pois as gravações de Flávio Rodrigues decorreram na Primavera de 1927, estando presente Augusto Louro. O óbito ocorreu em 9 de Outubro de 1927.
[27] Informação incorrecta, pois Lucas Junot não gravou com Flávio e Louro.
[28] Assunto mal esclarecido. António Menano gravou na Odeon de Paris, em Maio de 1927, acompanhado por Flávio Rodrigues da Silva e Augusto Louro. Isto se relata, por exemplo, em texto assinado por Eduardo Mamede no Diário de Coimbra, de 23 de Junho de 1993. Está apurado que António Menano gravou para a casa Odeon, em Paris (1º semestre de 1927), Lisboa (Primavera de 1928), e Berlim (Dezembro de 1928). Terá ainda feito uma derradeira sessão de gravações em Madrid, já em 1929, acompanhado pelos instrumentistas de Lisboa, Armandinho e Georgino de Sousa. No tocante às gravações com acompanhamento de piano, fica provado que o pianista é Alfonso Correia Leite. No tocante às gravações de 1929 ou talvez de 1930, os instrumentistas são Armando Freire (guitarra) e Georgino de Sousa (violão). Nas gravações de Berlim acompanham Menano dois instrumentistas de Lisboa: João Fernandes (guitarra) e Mário Marques (violão.
[29] Refere-se a Arlindo Augusto Pires Vicente (Oliveira do Bairro, 1906; Lisboa, 1977). Foi advogado, pintor e opositor ao regime de Salazar. Foi candidato à Presidência da República em 1958.
[30] António Monteiro, Coimbra, 1903; idem, 5 de Janeiro de 1954.
[31] José Alberto dos Reis (Celorico da Beira, 1875; idem, 1955). Formado em Direito no ano de 1897, doutorado em 1899, além de lente catedrático de Direito, foi amigo e colaborador de Salazar, Presidente da Assembleia Nacional (1934-1945), Vogal do Conselho de Estado e autor de obras jurídicas que consagraram o regime corporativo.
[32] Este velho adro foi demolido em 1931, sendo a escadaria actual um projecto da autoria do Doutor Virgílio Correia, por sinal nada pacífico à época.

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