sábado, abril 09, 2005


Paulo Soares, Jojó, tocando uma peça de minha autoria.: "Capricho em Lá", utilizando uma guitarra fabricada por Fernando Meireles. Posted by Hello


Antigos Tunos na Austrália em 2004 - José Paulo, Octávio Sérgio e Carlos Teixeira. Posted by Hello

sexta-feira, abril 08, 2005


"Fados de Coimbra - Grupo Académico Serenata". Esta é a capa de um disco de vinil (LP), saído já em 1986, com a etiqueta Orfeu, Movieplay Portuguesa. Grupo do Porto, constituído por Cunha Pereira e Jorge Carvalho (pela mesma ordem na foto) à guitarra, Carlos Teixeira (ausente na foto) e Arnaldo Brito à viola e a cantar, Pais da Rocha, Victor Silva (o segundo, à esquerda), Luís Paupério e Carlos Teixeira. Este último canta o tema "Fases da Lua", de António Menano, além de acompanhar o grupo à viola. Já o apresentei neste Blog em duas fotos, de duas sessões de fado em que também colaborei. Em viola é um expert e a cantar, se não estiver constipado como da última vez, é muito agradável de ouvir. Uma notável referência deste disco é o guitarrista Cunha Pereira (aqui com barba). Com uma dedilhação a raiar o virtuosismo, abalançou-se a executar duas peças bem difíceis de obter êxito, pelo simples facto de há alguns anos já terem sido gravadas primorosamente em disco. Uma é o Mi menor de Jorge Tuna, bem difícil de executar e gravada já, divinamente (em disco só conheço esta versão além da do autor; Paulo Soares executou-a muitíssimo bem, em Lisboa, há poucos anos, numa sessão em que também colaborei, juntamente com Armando Luís de Carvalho Homem). A outra, é o Ré menor de Armando Carvalho Homem, gravada por António Brojo, ainda em 78 rotações, com uma execução excepcional (foi uma das que fizeram com que me apaixonasse, cada vez mais, pela guitarra de Coimbra). Pois Cunha Pereira não saíu diminuído deste "combate". Há também uma introdução a que quero fazer referência. É para a peça inédita, "Balada da Tristeza". De muito bom efeito, moderna, bastante original. Os outros cantores têm boas vozes, uma delas bem conhecida, Victor Silva, já com um grande curriculum ( gravou com Paulo Soares, trabalho que a seu tempo aqui será referido). Vou transcrever o que está escrito na capa do disco, da autoria de Flávio Serzedello: "Neste ano em que a Universidade Portuense comemora as suas "Bodas de Diamante", quis um grupo de antigos Universitários - a que se juntou um jovem académico - prestar singela mas bem significativa homenagem à Escola que o Presidente António José de Almeida fundou em 1911. Porque a tradição académica não constitui exclusivo de uma região, nem de qualquer das Universidades Portuguesas, este disco é a afirmação disso mesmo: a tradição académica reside onde quer que esvoace uma capa, trine uma guitarra e palpite um coração de estudante. "Mocidade, mocidade / Tão grata ao meu coração / Dela só resta a saudade / Nas asas de uma canção". E assim nasceu este disco, em que a harmonia é uma constante, desde os trinados argênteos das guitarras de Cunha Pereira e Jorge Carvalho, às vozes bem frescas de Carlos Teixeira, Pais da Rocha e Victor Silva, passando pelos bordões graves das violas de Carlos Teixeira e Arnaldo Brito. Saudades da mocidade, saudades do Orfeão ... Saudades do tempo em que ainda nem sabiam o que era a saudade! Mas a tradição académica não morre nunca! Ela revive sempre, como a Phoenix renascendo das próprias cinzas, na simbiose maravilhosa do virtuosismo artístico e da juventude perene que, a despeito do contínuo e inexorável dobrar dos anos, também se recusa a morrer".


Antigos Orfeonistas no Brasil, em 2003: Luís Ferreirinha, Manuel Mora e Octávio Sérgio nos instrumentos. Fernando Ferreirinha e Virgílio Caseiro a cantar. Posted by Hello


Antigos Orfeonistas no Brasil em 2003: Isabel (a minha mulher), uma brasileira, um fã da música de Coimbra, radicado no Brasil, José Miguel Baptista e a esposa Tereza. Posted by Hello


Antigos Orfeonistas no Brasil, em 2003: Manuel Mora, Octávio Sérgio e Carlos Caiado nos instrumentos; José Paracana a cantar. Posted by Hello


Antigos Orfeonistas no Brasil, em 2003. Convívio depois da ceia.Estão na foto: Luís Ferreirinha, Manuel Mora, Octávio Sérgio e Carlos Caiado nos instrumentos; Vitor Baltasar, Fernando Ferreirinha, José Ferreira, José Miguel, João Vaz, um dos donos do restaurante, António Requixa, outro dos donos, Virgílio Caseiro (Maestro do Coro) e José Paracana. Posted by Hello

quinta-feira, abril 07, 2005

Bloco de Notas (7)

1979 ... Houve um tempo em que toquei com Rolando de Oliveira, pintor viseense que há uns anos encontou a morte, tragicamente, num desastre de automóvel. Ele tocava guitarra e eu viola. Passávamos horas à volta dos discos de Artur Paredes, Edmundo de Bettencourt, Menano e outros, tocados pela velha grafonola que havia em sua casa. Mas era Artur Paredes o mais ouvido. Aquele som arrasava-nos, deixava-nos pequeninos perante tanta grandeza!
Aos poucos, íamos aprendendo bocadinhos das peças. Era uma alegria de cada vez que conseguíamos suplantar qualquer dificuldade. Era uma apogiatura que se descobria como fazê-la, um bordão que antes não estava lá, um vibrato, um glissando, um novo acorde, uma nota que estava errada, uma maneira mais simples de construir uma frase, etc; eram pequenas coisas, insignificantes agora, mas que, na altura, nos enchiam de orgulho pela descoberta. Assim, aos poucos, muito lentamente, fomo-nos integrando na técnica de Coimbra.
Mas, à medida que ia sabendo trautear de cor as guitarradas, cada vez a viola me interessava menos. Queria era tocar guitarra! E como fazê-lo se não tinha instrumento? Não me atrevia, em casa, sequer, a falar em comprar uma. Arranjei uma solução provisória. Afinei a viola como se guitarra fosse e comecei a tocar as guitarradas de Artur Paredes. Eram o Sol maior, o Ré menor, o Lá menor, Morena, Rapsódia de Canções, Si menor e mais, que agora não me lembro. Tocava-as, mas com os defeitos próprios de um ensino sem mestre. E imaginam o som duma guitarrada tocada em viola? Poderia até nem ser mau se tivesse um grande desenvolvimento de dedos nesse instrumento, o que não acontecia, de maneira nenhuma. Mas dava-me gozo e sempre era melhor que nada! Sentia um grande prazer tocar aquelas peças.
Durou pouco tempo esta situação, pois vim a saber que o meu colega Esteves, cujo pai vendia fazendas na Avenida do Caroço, tinha uma guitarra toda escavacada e estava na disposição de ma emprestar. Lá fui buscá-la e a partir daí, deixei, praticamente, de tocar viola. Não era pera doce tocar naquela guitarra. Perto da boca, as cordas estavam a uma altura de perto de dois centímetros, além de estar cheia de rachas. Apesar disto tudo, sempre era mais agradável tocar nela que na viola com afinação de guitarra!
Mostrei tal entusiasmo, que acabei por conseguir os quatrocentos escudos para mandar fazer a primeira guitarra, na oficina do senhor Zacarias, que existia perto da Sé. O som desta não seria muito melhor que a do meu amigo, no entanto, agora já não tinha dificuldades acrescidas, para conseguir tocar. Mas que conhecimentos tinha eu de instrumentos? Nunca tinha visto uma boa guitarra, antes! A do Rolando devia ser como esta! Mas, está bem de ver, agora sentia-me um senhor! Continuei com o grupo do Rolando de Oliveira mas, agora, como segundo guitarra, como era óbvio. À viola passou a ser o João Fonseca, estudante da Escola Comercial. Está visto que, em casa, tocava a parte do primeiro guitarra.
Mas era dramático quando uma corda partia. Não tínhamos o alicate de hoje (usávamos um pau e um alicate vulgar) e as cordas vinham em carrinhos pequenos (cada um dava para fazer três ou quatro cordas). Muitíssimas vezes, mal o abríamos, logo todo se enriçava e eram horas perdidas a conseguir pôr tudo como estava. E, a propósito, lembro-me agora, que aos gravadores de fio (os de fita vieram mais tarde) acontecia também o mesmo. Se o fio partia, era o cabo dos trabalhos. Em Viseu havia um chapeleiro, na Rua Direita, que tinha um desses gravadores. Algumas vezes assisti à quebra do fio. O metal enferrujava e, além de poder partir facilmente, ainda era ruidoso nesses pontos. As bobinas tinham uma velocidade muitíssimo grande pois, não fora assim, os ruídos seriam insuportáveis, nos pontos ferrugentos! Que me lembre, nunca lá gravei nenhuma guitarrada!
Fazíamos muitas serenatas e, nelas, eu e o Rolando também cantávamos. Mais tarde apareceu o Domingos, da Escola Comercial, cantor fora de série, que só foi pena não ter ido para Coimbra e perder-se aquela voz que conseguia chegar a notas tão agudas como Bettencourt e Menano, com um tom de voz suave, bem modulado, de bom timbre, e sempre pronto a acompanhar-nos para todo o lado. Foi um dia para África e nunca mais soube dele, e nem sequer o apelido ficou!
Vou contar um pequeno episódio que se passou com ele, numa serenata feita no largo D. Duarte, em Viseu. O Domingos ia cantar o “Passarinho da Ribeira”, no tom de lá maior, um tom já nada fácil para qualquer cantor. Pois, quando começa a cantar, ou porque o ouvido dele não era cem por cento seguro, ou porque a nossa introdução não seria de molde a dar-lhe a certeza do tom em que devia começar, iniciou o fado em ré maior, ou seja, dois tons e meio acima! Rapidamente dou com o tom - tinha grande facilidade nesse campo - e comunico-o ao pessoal, e lá conseguimos todos chegar ao fim, sem uma fífia, embora ele utilizasse, provavelmente, o falsete. Toda a gente gostou! A assistência – juntava-se sempre muita gente à nossa volta – aplaudiu com entusiasmo.
Outro episódio passado com o Domingos:
Fui convidado para fazer uma serenata de fim de curso, integrada nas festas de despedida de uns alunos do sétimo ano. Nesta altura tocava comigo o Fernando Rebelo à guitarra, José Maria Barros Ferreira à viola e a cantar, João Sá, Rolando de Oliveira, José Mesquita, Frederico Albuquerque, Barros Ferreira e o próprio Domingos. Aqui começam os dissabores! Este era estudante da Escola Comercial e a comissão de festas não aceitou a sua inclusão na serenata. Estava tudo contra mim. Tive que ceder, muito contrariado, pois o Domingos era, para mim, uma mais valia.
No dia aprazado, lá estava a multidão à espera, junto da Porta dos Cavaleiros, local da serenata. Começámos a tocar e começa logo um coro de desordeiros barulhentos, colocados em cima de um muro, à nossa frente,a tentar boicotar o espectáculo. Era uma claque da Escola Comercial, que não se conformou com a exclusão do Domingos e foi, por isso, mostrar o seu desagrado. A muito custo e em condições péssimas, conseguimos chegar ao fim.
Aquela rivalidade entre estudantes, que tanto me chocou na altura, venho afinal encontrá-la também em Coimbra, entre Universidade, Escola Agrícola, Institutos, etc. Faz parte da “porca” da vida!...

quarta-feira, abril 06, 2005


Biografia de FRIAS GONÇALVES

Frias Gonçalves, de nome Fernando Manuel Frias Gonçalves, é natural de Coimbra, freguesia de Sé Nova, onde nasceu a 27 de Abril de 1942. Frequentou o Liceu D. João III, acabando por desistir de estudar. Começou a aprender guitarra por si em 1958, mas a dedilhação foi-lhe ensinada pelo malogrado Victor do Carmo. Em Coimbra tocou com os guitarristas Victor do Carmo, Assis e Santos, Manuel Pais, António Ralha, Jorge Gomes, Octávio Sérgio, Fernando Monteiro, José Paulo e Jorge Godinho; com os cantores Fernando Hermida, José Manuel dos Santos, Raul Dinis, Jorge Cravo e Joaquim Leitão; com os violas Rui Nazaré, Manuel Dourado, Horácio Leitão, Jorge Tito, Custódio Moreirinhas, João Reis, Rui Pato e Paulo Alão. Em 1963 abandonou a guitarra, para cumprir o serviço militar de onde voltou em 1967, radicando-se em Lisboa como Técnico de Electrónica na TAP, recomeçando a tocar em 1974. Em Lisboa tocou com os guitarristas Carlos Couceiro, Teotónio Xavier, Francisco Vasconcelos, João Bagão, Alexandre Bateiras, José Rodrigues e Silva Ramos; com os violas Rodrigues Pereira, Rodrigues Rocha, José Tito, Carlos de Figueiredo, Levy Baptista, Durval Moreirinhas, Ferreira Alves e Carlos Vieira (TAP); com os cantores Sutil Roque, Luís Goes, Augusto Camacho, Anarolino Fernandes, António Bernardino, Manuel Branquinho, Damas Mora, Carlos Carranca, José Henrique Dias (bicho cantor), António Mário (TAP), João Tomé, Tito Costa Santos, Fernando Marcelino (TAP), Arménio Santos, Machado Soares, Joaquim Matos, Victor Nunes, Pedro Ramalho, Pedro Couceiro e Alexandre Herculano. Foi também um grande amigo do Mago da Guitarra de Coimbra, ARTUR PAREDES.
Após a sua reforma foi viver para os arredores da Figueira da Foz, onde construiu um Estúdio amador para fazer os seus trabalhos musicais. Até agora gravou (não oficialmente), 13 obras de sua autoria, 17 Guitarradas inéditas (RARIDADES) e 8 guitarradas desaparecidas dos discos de 78 Rpm (SALVANDO OS 78/Rpm). Tudo isto corresponde a 3 anos de trabalho ao qual as “EDITORAS” não mostram o mínimo interesse na sua edição.
Fez digressões artísticas pelo Canadá, U.S.A., Brasil, Venezuela, Açores e Madeira.


Octávio Sérgio, Jorge Gomes e Frias Gonçalves. Saída da Tasca do João. Convívio mais ou menos mensal, com a falta de António Ralha que me disseram estar no Algarve, muito bem acompanhado! Estivemos a convencer o Frias a pôr cá fora os seus inéditos na guitarra, que são muitos. Já lhe conheço algumas boas peças. Está tudo gravado, disse ele. Ficamos à espera! Posted by Hello


Frias Gonçalves - Guitarrista. Aqui não está a tocar guitarra, mas a descansar depois do repasto, na companhia de Jorge Gomes e minha. Lá estivemos na amena cavaqueira, eu a lutar contra umas lulas estufadas e eles a atacarem um cozido à portuguesa. Claro que nós levámos a melhor ... até ver! Posted by Hello

terça-feira, abril 05, 2005


Jorge Tuna com guitarra Posted by Hello

Jorge Tuna:
para uma abordagem ternária de um Mestre da Guitarra de Coimbra
*

Armando Luís de Carvalho HOMEM


0. Necessariamente: Duas explicações e uma reexplicação

Uma vez mais me sinto motivado a iniciar um texto versando a Guitarra de Coimbra – e um seu Ilustre Criador e Executante – salientando o duplo estatuto de um trabalho desta natureza: historiador de formação e profissão, pretenderei pautar-me pelo rigor metodológico e por uma severa selecção e crítica de fontes (que são, neste caso, os registos discográficos com a participação de Jorge Tuna); mas, por outro lado, o executante e filho de guitarrista que sou não pode deixar de estar presente, tanto mais que os sons de Jorge Tuna me são familiares desde 1968, possuo integralmente as suas gravações comerciais e na minha longa – embora muito descontínua – carreira de viola de acompanhamento não raro tive oportunidade de acompanhar peças do Mestre («Variações em mi menor», «Variações em si menor», «Variações em Lá Maior», «Rapsódia de fados», «Andamento», «Variações em fá sustenido menor», «Variações em Ré Maior», «Os Amantes», «Tempo de Guitarra» (solistas que acompanhei nestas peças: Octávio Sérgio, Manuel Antunes Guimarães, António Cunha Pereira, Mário Freitas e Alexandre Bateiras) ou de autoria alheia mas com a marca das suas interpretações (Nomeadamente as «Variações de Coimbra», de Afonso de Sousa, que até tempos recentes eram fundamentalmente conhecidas através da gravação por J. Tuna). Como já disse, e repito: «a deformação profissional ‘casando’ com a rememoração vivencial, ainda que a primeira destas dimensões seja, creio, predominante».
Mas há mais: o autor destes considerandos não é propriamente um executante da Guitarra de Coimbra (ainda que não desconheça de todo onde-se-põem-os-dedos...), antes da viola de acompanhamento. Este facto marca indelevelmente as linhas que seguem – tal como, aliás, outras congéneres anteriormente produzidas. Não se espere, portanto, deste trabalho uma análise técnica estrita da execução de Jorge Tuna – à maneira das intervenções, por exemplo, de Paulo Soares nas masterclasses que têm precedido, no ano em curso, os concertos integrantes do I Festival da Guitarra de Coimbra, no âmbito da Coimbra 2003: Capital Nacional da Cultura [v.g. a análise a que efectuou dos procedimentos técnicos correntes em Octávio Sérgio na tarde que antecedeu o memorável concerto em sua homenagem (Coimbra, 2003/09/25)]. Espere-se, em contrapartida, uma análise de sequências melódicas e harmónicas das peças do compositor e executante objecto de análise: ou seja, o enunciar de um ponto de vista que será, em boa medida, o de um acompanhante empírico, sem especial formação musical [na linha de expoentes clássicos da viola de acompanhamento, que passem por nomes como os de Arménio Silva, Paulo Alão ou Durval Moreirinhas, e isto para só referir alguns nomes que particularmente admiro]. Conclusão lógica: o que vai seguir-se de modo algum esgota os ângulos possíveis de análise da Obra de Jorge Tuna.
Por último: Jorge Tuna tem uma produção discográfica que arranca no final da década de 50 e que se estende – ainda que com soluções de continuidade – até aos nossos dias. O estabelecimento de uma periodização – e, consequentemente, de uma diacronia – da sua Obra é, portanto – e utilizando os discos como fontes –, relativamente viável e facilmente suscitador de uma análise como a que aqui proponho [pense-se também, por exemplo, em Artur Paredes (1899-1980) ou, «mutatis mutandis», em António Portugal (1931-1994) ou ainda, «mutatis mutandis» novamente, em José Amaral (1919-2001) ou em Armando de Carvalho Homem]. Mas não faltam em contrapartida os executantes que, por obra original curta, concentrada no tempo ou problematicamente passível de periodizações, muito mais dificilmente sustentam uma apreciação desta natureza [v.g., e dos anos 50 para cá, António Brojo (1927-1999), Eduardo de Melo, Octávio Sérgio, António Andias, Álvaro Aroso, etc.].
Dito e escrito o que, avancemos.


1. «Variações de Coimbra»

O primeiro tempo do tríplice compasso em que enformo a minha aproximação à obra de JORGE MANUEL CASQUEIRO LOPO TUNA tem justamente esta Cidade e o seu Estudo Geral como cenário. O jovem estudante de Medicina, já na recta final do seu Curso e com uma intensa actividade musical – que inclui os grupos em que participou e a colaboração com Organismos Académicos –, grava o primeiro dos seus múltiplos EP’s, Sé Velha: Guitarras de Coimbra, com Jorge Godinho, José Tito e Durval Moreirinhas. Duas particularidades:

a) Grava peças de autoria alheia: «Variações de Coimbra» de Afonso de Sousa [1906-1993] e «Variações em ré menor» de Flávio Rodrigues [1902-1950] [À luz de um «estado actual de conhecimentos», os materiais de Flávio Rodrigues aqui interpretados constituirão as «Variações em ré menor n.º 1», existindo do Autor mais 3 peças no mesmo tom. Pela mesma altura, António Portugal [1931-1994] (com Eduardo de Melo, Manuel Pepe e Paulo Alão, em EP com 3 números vocalizados por Casimiro Ferreira: ed. RAPSÓDIA, EPF 5.084, Porto, s.d., lado 2, faixa 2) gravará uma versão ‘miscelânica’ das n.º 1 e n.º 3; no CD Variações inacabadas (ed. EMI/Valentim de Carvalho, EMI 7 243 831729 2 4, 1994, com António Brojo [1927-1999], Aurélio Afonso dos Reis e Luís Filipe [Roxo Ferreira], faixa 5) apresentará uma versão corrida das 3 peças. Na actualidade, Octávio Sérgio executa correntemente um encadeamento das duas primeiras: tocou-o na Homenagem a Flávio Rodrigues (Coimbra, Nov.2002), acompanhado pelo autor destas linhas; sobre Flávio Rodrigues v. por todos António Manuel NUNES e José dos Santos PAULO, Flávio Rodrigues da Silva. Fragmentos para uma guitarra, Coimbra, Minerva, 2002]; é algo que se repetirá no EP subsequente (com a «Rapsódia de Canções» de Artur Paredes), mas que depois só voltará a ocorrer no seu mais recente CD, com outras três peças de Artur Paredes («Variações em Sol Maior», em «ré menor» e em «si menor»). Uma e outra das duas peças supra-mencionadas converter-se-ão por basto tempo em paradigma para outros executantes; e Afonso de Sousa elogiará publicamente a versão da peça de sua autoria no decurso do I Seminário sobre o Fado de Coimbra (Maio de 1978).

b) Na peça de Flávio Rodrigues o solo cabe a Jorge Godinho, ainda que Jorge Tuna execute uma elaborada 2.ª guitarra.

É neste EP que Jorge Tuna patenteia as suas duas primeiras criações instrumentais: «Variações em mi menor» e «Variações em lá menor». Numa linha com alguma tradição – a lembrar os temas mais elaborados de Artur Paredes –, estas peças mostram já, no entanto, alguma audácia em matéria de sequências tonais, particularmente a primeira. Procedamos a uma breve análise:

I. Variações em lá menor - 6 frases:

i. Compasso quaternário, desenvolvimento em lá menor (1.ª e 2.ª), início com o emblemático acorde de lá menor grave (na linha das primeiras «Variações» de Artur Paredes neste tom).
ii. Compasso ternário, passando a quaternário perto do final, após uma breve suspensão; desenvolvimento em lá menor (1.ª, 2.ª, ré menor, 2.ª de ré).
iii. Compasso quaternário; desenvolvimento em lá menor, particularidade de uma passagem de lá menor a Fá Maior, com utilização ainda da 2.ª de lá.
iv. Compasso quaternário; desenvolvimento em lá menor (1.ª, ré menor, 2.ª).
v. Idem.
vi. Compasso quaternário; desenvolvimento em lá menor (1.ª, ré menor, 2.ª), com finalizações de sub-frase em 2.ª e 1.ª de Dó Maior; finalização neste último tom (incluindo os dois acordes de fecho). Tal como na frase anterior, a 2.ª guitarra de Jorge Godinho faz uma plena 2.ª voz à execução solística.

II. Variações em mi menor – Esta peça, desenvolvida em 7 frases, insere-se numa genealogia de variações no tom, que, na linha de Artur Paredes, faz alternar a tónica com a dominante, isto é, desenvolvimentos em mi menor com desenvolvimentos em Sol Maior [tal tipo de alternância estará ulteriormente patente em variações no dito tom de Armando de Carvalho Homem, Octávio Sérgio, Francisco Martins, Manuel Borralho e ainda outros, porventura]. Concretizemos:

i. Compasso quaternário; desenvolvimento em Sol Maior (1.ª e 2.ª), passagens também por 2.ª e 1.ª de lá menor.
ii. Compasso quaternário; desenvolvimento em Sol Maior (1.ª e 2.ª), várias sequências Sol Maior / si menor / lá menor.
iii. Compasso quaternário; desenvolvimento em Sol Maior (1.ª, 2.ª, Dó Maior), uma sequência Sol Maior / lá menor.
iv. Compasso quaternário; desenvolvimento em mi menor (1.ª e 2.ª), com vindas a Sol Maior (1.ª e 2.ª).
v. Compasso inicialmente ternário, depois quaternário; desenvolvimento em mi menor (1.ª, 2.ª e 1.ª de lá menor) com passagens por Fá Maior e daí para a 2.ª de mi; trata-se de algo de novo – um desenvolvimento num tom menor que vai ao tom maior subsequente – e que ajuda a definir sonoridades e sequências tonais bem próprias dos anos 60; em Jorge Tuna surge aqui pela vez primeira, e por sinal ainda nos fifties [Jorge Tuna, como veremos, utilizará, para além do mi menor/Fá maior, sequências lá menor/Lá sustenido Maior e si menor/Dó Maior. Também Eduardo de Melo e João Bagão [1921-1993] irão cultivar com assiduidade, ainda na primeira metade da década de 60, sequências deste tipo. É evidente que as simples fontes discográficas não autorizam a dizer quem foi, em Coimbra, o primeiro e quando. Mas será isso de primordial importância ? Não posso deixar de lembrar palavras bem recentes (2003/07/12) de Cristina Robalo Cordeiro, lente de Línguas e Literaturas Românicas da Fac. Letras/UC e actualmente Vice-Reitora do Studium Generale Conimbrigensis, em solene elogio de 7 lentes apresentantes de outros tantos drs. recipiendários de insígnias na Sala dos Capelos [e cito de memória]: «Ser o primeiro não significa necessariamente ser óptimo ou ser o melhor». Mas datando de facto este EP de finais da década de 50, haverá antecedentes de tal tipo de sequência ? Na discografia não os vislumbro; fora dela... Em 1962 Carlos Paredes apresentará uma sequência si menor/Dó Maior na suas «Variações em si menor» (EP Carlos Paredes, AEP 60.508, ALVORADA, Porto, s.d. [1962], lado 1, faixa 1; reed. in Mundo (O) segundo Carlos Paredes. Integral, 1958-1993, Lisboa, EMI Valentim de Carvalho, 2002, CD 1, faixa 5); mas apenas em 1967, na frase final das «Variações em Ré Maior» (LP Guitarra Portuguesa, ed. COLUMBIA SPMX 5002, 1967, lado 1, faixa 1; reed. in Mundo [O] segundo Carlos Paredes, cit., CD 1, faixa 13), se reencontrará algo de idêntico. Para tempos posteriores veja-se, entre outras exemplificações possíveis, uma sequência lá menor/Lá sustenido Maior/2.ª de lá em «Castro Daire», de Pedro Caldeira Cabral (no LP Duas Faces, EMI-Valentim de Carvalho 1776171, s.d. [1987], lado 1, faixa 2; e no CD Pedro Caldeira Cabral: Variações – Guitarra Portuguesa, ed. WORLD NETWORK BEST.-NR.: 54.038, NC 6759, Frankfurt, 1992, faixa 2). Um precedente remoto estava, noutra galáxia, num tema da banda sonora de O Pátio das Cantigas (1942); mas aí o autor era Frederico de Freitas (1903-1980)... É também evidente que este surgir de sequências novas (ou quase) na produção de Jorge Tuna muito pode ter também a ver com os processos de trabalho com Durval Moreirinhas: o testemunho deste último (Agº.2003) refere como não raro o surgir primeiro, sob os seus próprios dedos, de uma qualquer ideia para uma sucessão tonal; posto o que, a construção da melodia por Jorge Tuna sobre essa sequência pré-estabelecida. Tal forma de trabalhar não será inédita nem exclusiva: pontualmente a presenciei e/ou ajudei a protagonizar em grupos em que haja participado; mas também não creio que ocorra ‘todos os dias’...].
vi. Compasso ternário, depois quaternário; desenvolvimento em mi menor (1.ª e 2.ª; 2.ª e 1.ª de lá menor), com idas a 2.ª e 1.ª de Sol Maior, fechando de novo com a sequência Fá Maior / 2.ª de mi / mi menor.
vii. Compasso ternário; desenvolvimento em mi menor, com fecho idêntico ao da frase anterior; acordes de encerramento: 2.ª e 1.ª de mi menor.


* * *


É por volta de 1962 que surge o segundo EP instrumental de Jorge Tuna: Coimbra à noite; em relação ao anterior, continuidade do naipe instrumental, apenas com a circunstância de a viola se limitar a Durval Moreirinhas. Não vou alongar-me sobre a versão aqui patente da «Rapsódia de Canções» de Artur Paredes; conforme noutro lugar escrevi, «Como qualquer produto da criação cultural, um tema coimbrão não se esgota no acto (e no momento) criador(es): ele vive enquanto houver receptores apreciadores, potencialmente reintérpretes. A versão de Jorge Tuna para a “Rapsódia de Canções” de Artur Paredes, por exemplo, é um marco memorial da execução do tema na década de 60, e de tal modo que diversos executantes (v.g. José Ferraz de Oliveira) aderiram a determinadas inovações rítmicas e/ou de marcação de compasso do hoje lente de Medicina do Studium Generale olisiponense; o não fazer tal-qual-como-o-Paredes não é, de acordo com estas coordenadas de pensamento, crime de lesa-majestade... antes constituirá a prova mais acabada de que a obra-prima parediana pervive...».

Centremo-nos então, e por agora, nos 3 temas originais deste EP:

I. Rapsódia de Fados – Peça célebre, serviu durante anos (década de 60) como ‘indicativo’ ao programa Do Choupal até à Lapa, do Emissor Regional Centro da Emissora Nacional (depois RDP/Centro). Desenvolvimento em sete frases, que correspondem, em parte, a temas da galáxia coimbrã (ou a ligações entre eles):

i. [Balada do Outono] Compasso ternário; desenvolvimento em ré menor (1.ª, 2.ª, sol menor); passagens por Lá Sustenido Maior e Dó Maior.
ii. [Senhora do Almortão] Compasso ternário; desenvolvimento em ré menor (1.ª, 2.ª); passagens por Lá Sustenido Maior, Dó Maior, finalização em 2.ª de ré.
iii. [Senhora da Póvoa] Compasso ternário; desenvolvimento em Lá Maior (1.ª, 2.ª).
iv. [Saudadinha] Compasso binário; desenvolvimento em ré menor (1.ª, 2.ª); passagens por Lá Sustenido Maior, sol menor e Fá Maior.
v. [Canção da Beira Baixa] Compasso ternário; desenvolvimento em ré menor (1.ª, 2.ª); passagens por Fá Maior, 2.ª de Fá, Lá sustenido Maior e sol menor.
vi. Compasso ternário; desenvolvimentos em Ré Maior (2.ª, 1.ª) e si menor (1.ª, 2.ª), com passagens por mi menor e Sol Maior.
vii. Compasso quaternário lento; desenvolvimento em si menor (1.ª, 2.ª), passagens por 2.ª e 1.ª de Ré Maior e mi menor; finalização em si menor. A 2.ª guitarra de Jorge Godinho executa efeitos complexos e muito trabalhados.


II. Variações em Lá Maior – Desenvolvimento em 6 frases:

i. Compasso quaternário; desenvolvimento em Lá Maior (1.ª, Ré Maior, ré menor); passagens por 2.ª de si e si menor.
ii. Compasso quaternário; desenvolvimento em Lá Maior (1.ª, 2.ª); passagens por fá sustenido menor (1.ª e 2.ª), Ré Maior e 2.ª de mi. Surgimento, nalgumas passagens, de uma dedilhação a fazer lembrar um tremolo, com utilização de indicador, médio e anular; e note-se que Jorge Tuna usava então unhas nos 3 dedos em causa; hoje limita-as ao indicador e ao anular [Testemunho do próprio – e visualização da minha parte – em Agosto de 2003].
iii. Compasso quaternário; desenvolvimento em Lá Maior (1.ª, 2.ª); passagens por fá sustenido menor (2.ª, 1.ª; termina em brusca pausa em acorde deste tom).
iv. Compasso quaternário, final em cadência; desenvolvimento em Lá Maior (1.ª, 2.ª); passagens por Fá Maior e 2.ª de mi.
v. Compasso quaternário; desenvolvimento em lá menor (1.ª, 2.ª; 2.ª e 1.ª de ré menor, 2.ª de mi); uma passagem por Fá Maior.
vi. Compasso quaternário lento; desenvolvimento em lá menor (1.ª, 2.ª; 2.ª e 1.ª de ré menor); passagem por Lá Sustenido Maior; finalização num acorde simples de lá menor grave.


III. Variações em si menor – Também serviu de indicativo a Do Choupal até à Lapa, na fase de retoma do programa (ca. 1977), que então ganhou o subtítulo «Para que não se perca o Fado de Coimbra». Desenvolvimento em 7 frases e um epílogo:

i. Compasso ternário, passando a quaternário, finalizando em cadência; desenvolvimento em si menor (1.ª, 2.ª, mi menor), com passagens por 2.ª de Ré, Dó e Sol Maior[es].
ii. Compasso ternário; desenvolvimento em si menor (1.ª, 2.ª; 2.ª e 1.ª de mi menor), com uma passagem por Dó Maior.
iii. Compasso ternário, passando depois a quaternário; desenvolvimento em mi menor (1.ª, 2.ª; 2.ª e 1.ª de lá menor), finalização em 2.ª de Sol.
iv. Compasso quaternário lento; desenvolvimento em mi menor (1.ª e 2.ª, lá menor).
v. Compasso ternário; desenvolvimento em Sol Maior/mi menor; uma sequência Sol Maior/si menor/Dó Maior; passagens por Dó Maior, 2.ª de Sol e 2.ª de mi.
vi. Compasso ternário; desenvolvimento em mi menor (mi menor, 2.ª de Sol, Sol Maior).
vii. Compasso ternário; desenvolvimento em mi menor (mi menor, 2.ª de Sol, lá menor); passagens também por Fá Maior, 2ª de lá e 2.ª de mi.
viii. [Epílogo] Compasso ternário; desenvolvimento em mi menor (mi menor, 2.ª de lá, lá menor, 2.ª de mi); passagem também por Fá Maior.

Uma palavra para Durval Moreirinhas: sozinho agora na viola e porventura mais solto que no disco anterior, começa a configurar-se como aquele acompanhante «dinâmico», segundo qualificativo de Joaquim Neves Correia de Pinho. Com efeito, as suas performances em «Rapsódia de Fados» e em «Variações em si menor», para além do sublinhar auditivo dos compassos, por vezes como que pré-anunciam a frase seguinte; enquanto que na «Rapsódia de Canções» também ele se não rende ao fétiche das versões originais.


2. «O voo da ave»

O segundo tempo do compasso ternário inicia-se por volta de 1965, com a edição do EP Coimbra, 3 anos posterior ao precedente, como escreve Rocha Pato [Albano da Rocha Pato (1924-1983), repórter de O Primeiro de Janeiro / delegação de Coimbra, pai do viola Rui Pato] na contra-capa, acrescentando: «A gravação agora apresentada é uma obra de nova concepção, que de certo modo rompe com os moldes tradicionais, para se integrar mais pròpriamente num estilo universal (...)»; mas o «autor (...) não quis libertar-se totalmente do estilo coimbrão e que nos proporciona um clima até agora não conseguido (...)». Estas palavras dão conta da extraordinária sensibilidade crítica de Rocha Pato, e com elas me sintonizo plenamente. Assim, se há nas 4 peças deste disco («Solidão», «Variações em si menor n.º 2», «Variações em lá menor n.º 2» e «Andamento») uma dimensão de inovação, não é menos verdade que a dimensão de continuidade igualmente comparece. Concretizemos:



a) Inovação:

i. Dedilhação: É neste EP que Jorge Tuna introduz a dedilhação coordenada do indicador e do polegar, concretamente em «Solidão», «Variações em lá menor n.º 2» e «Variações em si menor n.º 2», com a especificidade – desde logo original – de o fazer em registos múltiplos da escala.
ii. Construção melódica: Neste campo é de destacar a formação de melodias a partir de grupos de 3 notas, processo particularmente patente em «Variações em lá menor n.º 2», e muito em especial nas frases de abertura e de encerramento [Ostentando a mesma característica e cronologicamente próximo, pensemos no tema «Variações em Lá», de Eduardo de Melo, particularmente o motivo de encerramento, em Lá Maior (LP Coimbra Quartet, PHILIPS, 1964, lado 1, faixa 2)]. Moderadamente, embora – nos temas «Andamento» e «Solidão» –, as repetições de temas começam a surgir, ainda que a acentuação respectiva seja ulterior [Tratar-se-á neste caso de uma inovação mediante o retorno a uma remota tradição. Efectivamente, os antecedentes recentes de Jorge Tuna viam as repetições fundamentalmente em temas aportados do universo da música popular (pensemos em «Bailados do Minho» ou em «Valsa em Fá», entre muitos exemplos possíveis), e não nas «variações» estritas: aqui havia que remontar, neste campo, a temas de bem mais antanho, constituindo as «Variações em lá menor» de Jorge Morais («Xabregas») [anos 30] a excepção ilustre na Coimbra post-Artur Paredes. Daí que Octávio Sérgio, ao compor, na década de 70, as suas «Variações em lá» (LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra, ed ORFEO/Arnaldo Trindade, 1981, lado 1, faixa 1), num quadro intencional de Velha Coimbra, tenha justamente optado por tais procedimentos, utilizando inclusive o tema de abertura nos modos menor e maior].
iii. Sequências harmónicas: Aqui merece saliência o entrar em cena do procedimento das descidas de meio-tom em meio-tom no acompanhamento dos temas em modo menor, circunstância que ocorre nas «Variações em lá menor n.º 2», «Variações em si menor n.º 2» e «Andamento»; não era inteiramente novo, e na conjuntura parecerá marcado por «Raiz», de Carlos Paredes; mas deixo para infra uma mais longa abordagem da questão.


b) Continuidade – Apesar do que ficou exposto em a), a verdade é que um dos dois temas ‘maiores’ deste EP – «Variações em lá menor n.º 2» – continua a manter – e até o título o indicia – a estrutura tradicional de variações, com um teor que, por frases, se desenvolve de A a Z, num contexto para já não excessivamente propício a repetições. Daí que não poucos guitarristas tradicionais admirassem profundamente esta peça, apontando a virtuose, a par da muito especial estética melódica de algumas frases. Uma estrutura mais próxima de tema e variações – com os naturais efeitos de repetição – só nas obras seguintes acentuará a sua dimensão – por enquanto, como se viu, discreta.

* * *

A obra subsequente sai no Outono de 1967 e suscita reacções algo desencontradas. Trata-se do EP Um som diferente nas Guitarras de Coimbra; ostenta capa do pintor MÁRIO SILVA, consistindo num tratamento ‘expressionista’ de motivos da paisagem urbana coimbrã em fundo amarelo vivo. Quatro temas, naturalmente, sendo que os da face 1 («Danças» e «Águas») ressurgirão, nos mesmos takes de estúdio, no LP Coimbra Guitars (1969); comecemos, entretanto, pelas peças específicas deste EP:

I. Variações em fá sustenido menor ou “A Loucura Genial” – É sem dúvida, pela originalidade e pela virtuose, uma das peças mais espantosas de toda a discografia de Jorge Tuna. Com uma frase inicial desenvolvida em Ré Maior, espraia-se depois – num total de mais 9 frases, por vezes com repetições, e um “epílogo” – numa série de desenvolvimentos a partir dos acordes graves de Lá Maior e de lá menor, bem como por uma dupla sequência em diminutas/dissonantes. Entre as ‘estranhas’ harmonias, o virtuosismo, os tipos de dedilhação ou a velocidade com que se percorrem – longitudinal ou transversalmente – as diferentes zonas e os diferentes registos da escala, uma pergunta é possível no ouvinte atento: como seria presenciar uma execução ao vivo desta peça (se é que ela alguma vez o foi) ?...

II. Variações em Ré Maior ou as reminiscências do Barroco – Mais uma vez um trilo de notas (fá/mi/fá, fá/mi/fá, fá/mi/sol) está na base de tudo, um tudo que sugere um desenvolvimento fugato, com sugerências entre o scarlattiano e o haydniano. Em tempos de redução de peças a partitura, seria um desafio (para um Octávio Sérgio, para um Paulo Soares, para um José dos Santos Paulo) assim proceder com este Ré Maior, posto o que fazer executar a peça em cravo, espineta, clavicórdio, alaúde, bandola ou oboé (ou pura e simplesmente num sintetizador). Com resultados porventura surpreendentes para o ouvinte ? Para mim, pelo menos, não...


Passemos agora aos dois restantes temas deste EP:

I. Danças – Num reino de dissonância, com alguns desenvolvimentos em lá menor, si menor e fá sustenido menor, a atenção é naturalmente captada pelo motivo final, de ambiente tropical (eu quase diria: cabo-verdiano). Influência dos périplos africanos do Autor ?

II. Águas – Será aqui que pela vez primeira Jorge Tuna se aventura pelos terrenos da música descritiva. Peça desenvolvida em lá menor, com 2 belos temas melódicos a abrir e a fechar, o desenvolvimento central, que uma vez mais diríamos dissonante, aponta para a interminabilidade do movimento de uma queda de água.

* * *

No final do Verão de 1969 surgiu nas discotecas o LP Coimbra Guitars, Played by Dr. Jorge Tuna and Durval Moreirinhas [Tirando o título genérico, o bilinguismo Inglês/Português é total: nos títulos das peças e no texto de José Carlos de VASCONCELOS patente na contra-capa; este texto é demasiado adjectivante e exprime pontos de vista algo discutíveis, v.g. as interrelações que estabelece entre J. Tuna, Carlos Paredes, António Portugal ou as baladas de José Afonso; sobra no entanto uma ou outra nota com a sua pertinência. «O Voo da Ave» (The Bird’s Flight) é o título da peça patente no lado B, faixa 2, deste disco]; capa sob o signo do vermelho vivo: no fundo que enquadra uma fotografia da Urbe – tirada da margem esquerda do Mondego, frente ao Parque da Cidade – e no vestido da jovem que, de costas, vemos reclinada no relvado da dita margem. Mas este disco cor-de-fogo não o é apenas pela cor da capa ou do trajar de uma figurante da mesma. Há de facto fogosidade em várias das peças que o integram; como noutras um incomparável lirismo se detecta. Concretizemos, com as mais significativas:

I. Prece (Prayer) – É outra das peças de Jorge Tuna particularmente felizes no plano melódico. Começando em poderosa abertura em Dó Maior (com evolução, de meio-tom em meio-tom, até lá menor), inclui depois uma dupla sequência em diminutas, fechando num belíssimo desenvolvimento em lá menor, no qual a viola de Durval Moreirinhas executa uma autêntica «2.ª voz».

II. Dança Triste (Blue Dance) – Tema em lá menor particularmente virtuosístico, abre e fecha com 2 belos motivos melódicos. O tema central é sucessivamente desenvolvido, culminando, no quase-final, em elaboradíssima execução.

III. Os Amantes (Lovers) – Agora estamos no terreno da narração, como aliás notou ao tempo José Carlos de Vasconcelos, numa das poucas passagens do texto da contra-capa que merecem a minha cabal concordância: «(...) uma composição tão bela como “[Os] Amantes” define, só por si, um criador: o narrativo tem a força, a cor e a emoção que desde a paixão ao lirismo repousado tudo nos transmite, em diversos planos harmónicos admiràvelmente conjugados na unidade e no equilíbrio do essencial». Assente numa estrutura de repetição/reversão (Tema A / tema A’ [outro é o compasso, outro é o tipo de acompanhamento] / tema B / tema C / tema B [com variantes] / tema A), «Os Amantes» são peça a documentar – se preciso ainda fora – a genialidade do Autor/intérprete e um sapientíssimo doseamento de lyros e de eros; tudo envolto no excepcional melodismo do tema A e na expressiva fogosidade do tema B [Obs.: Esta peça de J. Tuna conheceu em 1981 um autêntico (des)arranjo, perpetrado por um grupo de antigos estudantes da UP: em LP do cantor José Tavares Fortuna, o naipe de acompanhantes (gg.: António Arnaldo Melo e Castro e João Lamego; vv.: Rui Garcia de Brito e Agostinho de Matos) inseriu umas «Variações em lá menor», ditas do Dr. Jorge Tuna, com «arr. Dr. Melo e Castro». Os executantes – solista à cabeça – mostram um total desconhecimento dos processos de trabalho de J. Tuna, executando às vezes as mesmas (embora por vezes não...) notas em pontos diferentes da escala (uma oitava acima, nomeadamente), mostrando justamente desconhecer o jogo de oitavas que tanto individualiza esta peça e desvirtuando completamente os processos durvalianos de acompanhamento].


3. «Flores para Manuela»

Ao dar-se, com os Seminários levados a efeito pela Comissão Municipal de Turismo de Coimbra (1978-1983), o termo dos anos de silêncio público do Canto e da Guitarra, muita gente exprimiu a saudade de executantes que haviam marcado, nomeadamente, o período circa 1960-circa 1968; entre eles, naturalmente Jorge Tuna que, de facto, por esses anos não se viu nem ouviu (salvo, quanto a este último aspecto, mediante a possibilidade de reescutar velhas gravações). Outras dimensões do viver se impunham, e em 1980 viria o doutoramento na Fac. Medicina/UL.
Mais uns tantos anos foram passando. Na Televisão e no Disco iam-se vendo e ouvindo Brojo, Portugal, Bagão, Álvaro Aroso / José Carlos Teixeira, João Moura, António Moreira...; mais pontualmente Octávio Sérgio, Hermínio Menino, Jorge Gomes, Manuel Borralho / José Ferraz de Oliveira, António Ralha... De Jorge Tuna apenas a grata lembrança. Até que um dia...

* * *

... e eis que estamos chegados ao 3.º tempo do compasso...
No Verão de 1990 transmitiu a RTP um conjunto de programas sobre rumos recentes do Canto e da Guitarra de Coimbra; a coordenação dos programas e a selecção do elenco de participantes couberam ao cantor José Mesquita. Serviu de fundo musical de abertura e fecho um belíssimo tema em lá menor, onde ouvidos conhecedores e atentos facilmente reconheceriam as mãos de Jorge Tuna; que aliás, com Durval Moreirinhas, participaria num dos programas, para executar dois temas.
Meses depois sairia o LP Tempos de Guitarra; o tema/indicativo do programa televisivo referido no parágrafo anterior era o doravante emblemático «Tempo de Guitarra»; as duas outras peças executadas para o pequeno écran eram «Memória de Coimbra» e «Balada das Alpenduradas»; a capa mostrava os dois executantes actuando na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa [Imagem infelizmente substituída, na versão CD (1997), por detalhes individuais dos 2 músicos]. A excelente estética da capa deste LP ‘de última geração’ estava no entanto longe de ser acompanhada pela qualidade da prensagem. E 7 anos depois surgiria a transposição para CD, incluindo 3 temas inicialmente não vindos a público [Trata-se de «Flores para Manuela», «As danças» - que importa não confundir com «Danças», do EP Um som diferente... (lado 1, faixa 1) e do LP Coimbra Guitars... (lado 2, faixa 5) -, e «Sol Maior»] – por falta de espaço – bem como uma segunda versão de um outro [Trata-se de «Dança dos Duendes (II)»].
Neste retorno de Jorge Tuna – cerca de 20 anos depois de Coimbra Guitars... – ao contacto com os seus ouvintes e admiradores, 5 temas me parecem merecedores de especial destaque:

I. Memória de Coimbra – Tema em mi menor, desenvolve-se em 6 frases. Destaco a frase de abertura, a frase 5 (desenvolvida nas 3 cordas graves a partir de acordes de 1.ª e 2.ª de mi menor) e a frase 6 (encerramento, em interessante linha melódica).

II. A Valsa – Peça poderosíssima, é também um dos ‘documentos’ mais sólidos do «modus faciendi» do Autor ao longo deste LP/CD, em matéria, por exemplo, de utilização solística da corda de mi, de bordões harmónicos na corda de ré ou de ataque de frases (ou secções das mesmas) com notas dadas para fora. Desenvolvida em lá menor, esta verdadeira invitation à la valse compreende um preâmbulo, mais 4 frases e um epílogo em compasso ternário. Tema dos mais conseguidos neste disco – e mesmo, em geral, na Obra tuniana –, «A Valsa» notabiliza-se pela conseguida homogeneização da virtuose com uma construção melódica geradora de momentos singularmente belos.

III. Tempo de Guitarra – É o verdadeiro ex-libris do CD em análise; e por alguma razão serviu de indicativo ao já mencionado programa da RTP (1990), além de entretanto ter passado a integrar o reportório de guitarristas de gerações diversas. A característica tuniana mais evidente nesta peça é o modo sábio de utilização do vibrato da corda de mi – coisa em relação à qual «Tempo de Guitarra» será como que um discurso de método (ainda que nem sempre plenamente recebido por outros executantes). Desenvolvendo-se em lá menor e compasso ternário, «Tempo de Guitarra» consta de um preâmbulo e mais 3 frases, a última das quais cadencial, sequentemente se repetindo a tríplice totalidade das frases.

IV. Balada das Alpenduradas – Tema em mi menor, o desenvolvimento central sugere o que em guitarra poderia ser a transposição da harmonia subjacente ao célebre tema «Jeux interdits» (vulgo, entre nós, Brincadeiras proibidas), com interessante trabalho, a latere, de Durval Moreirinhas. Abre e fecha a peça uma frase executada nas cordas graves de ré e de lá.

V. (The last but not the least) Flores para Manuela – Em homenagem a sua Mulher, Jorge Tuna dá-nos aqui outro dos temas inequivocamente fortes deste momento discográfico. «Flores para Manuela» desenvolve-se em lá menor e consta de uma frase cadencial, a funcionar simultaneamente como preâmbulo e fecho, e de mais 3 frases: a primeira apresenta-se em compasso ternário – outra notável petite valse –, onde – uma novidade – se constrói o discurso musical a partir agora de grupos de duas notas; a segunda, acentuadamente virtuosística, é em compasso binário; a última, de novo em ternário, funciona como ligação à reexecução final do tema de abertura.

* * *

E vamos para o último CD de Jorge Tuna, As Mãos e a Alma (2003). De novo Jorge Tuna inclui nesta gravação temas de Artur Paredes (três), como já se disse; e o balanço da sua execução parece-me comparável ao atrás exposto para a «Rapsódia de Canções». Destaques entre o reportório original? Sem dúvida. Cinjo-me a duas peças:

I. As Mãos e a Alma: Ouverture majestosa do CD, com primeiro desenvolvimento em Fá Maior, tom para executantes maduros, conforme já tive oportunidade de dizer; as frases subsequentes são em ré menor, por vezes com dedilhação coordenada.

II. Serenata a Dois: Sem dúvida um dos momentos altos do mais recente CD de Jorge Tuna, esta peça principia com um desenvolvimento torrencial – a fazer lembrar a interminabilidade do movimento das Águas, no LP Coimbra Guitars –, com dedilhação coordenada [a reaparecer, aliás, em diversos pontos da peça], tendo depois um desenvolvimento em lá menor, de virtuose controlada, onde, qual refrão, se nos deparam várias passagens e desenvolvimentos pelo (e a partir do) acorde grave do referido tom.



4. A fechar: «Deixa-me contar-te um segredo» [título da faixa 7 do CD As Mãos e a Alma]

Num primeiro balanço, em termos quantitativos, direi que Jorge Tuna gravou, ao longo de cerca de 45 anos, 54 temas instrumentais – sendo 48 de sua autoria (88,88 % do total) – e 7 introduções de temas cantados. Não é propriamente pouco. Para além do que, qualitativamente, recolhe a herança de velhos Mestres da Guitarra (Flávio Rodrigues, Afonso de Sousa e, acima de todos, Artur Paredes) e lhe dá original sequência, tanto em contextos reconhecíveis como tradicionais – embora desde muito cedo afirme uma execução e um estilo de composição inconfundíveis –, como segundo coordenadas manifestamente novas, levando a temas por vezes perplexificantes para quem, desprevenidamente, o ouça; a acrescer, técnicas de dedilhação que são bem suas e um virtuosismo talvez hoje um pouco domado, mas que nas gravações das duas primeiras fases surpreende o ouvinte e pode inculcar, naqueles que saibam onde-é-que-os-dedos-se-põem, a tal ideia da genial loucura, de que já falei.

Mantendo-me no domínio do qualitativo, (re)afirmarei Jorge Tuna – e, por certo, ninguém discordará – como um dos mais criativos e prolíficos intérpretes das gerações que em Coimbra se iniciaram nas décadas de 50 e de 60. Mas – e bem mais importante do que isto – um criador/intérprete que na dimensão de inovação/ruptura se afirmou de forma praticamente lateral à recepção coimbrã de Carlos Paredes (1925-2004), de quem só ocasionalmente terá executado qualquer peça [Caso de «Dança Palaciana» (testemunho do próprio, em Nov.2003] – e isto torna Jorge Tuna um caso praticamente único:

a) Com efeito, novidades tunianas em termos, por exemplo, de dedilhação podem incluir a coordenação indicador / polegar, mas tendem a exercer-se em pontos da escala bem diversos – não raro nas cordas agudas – dos normalmente utilizados pelo Autor de Canção Verdes Anos; podem também incluir o tremolo de 4 notas ( = duas idas e vindas do indicador, com apoio de notas do polegar no bordão de ré por cada grupo de duas notas), processo que outros executaram e vêm executando; antecedentes plausíveis ? pensemos, por exemplo, no final de «Passatempo», de Artur Paredes...

b) No acompanhamento de temas no modo menor, as frequentes descidas de meio-tom em meio-tom em bordões da viola de acompanhamento: como origem / paradigma, pensar-se-á de imediato em «Raiz-Dança», de Carlos Paredes. Simplesmente, não só o ocorrer desta sequência na Obra de Jorge Tuna anda cronologicamente muito próximo da divulgação discográfica daquele tema de Carlos Paredes [de ca. 1963 para ca. 1965; na obra de Jorge Tuna pense-se, antes de mais, na «Variações em lá menor n.º 2», nas «Variações em lá menor n.º 2» e em «Andamento», do EP Coimbra], como na guitarra de Coimbra já havia antecedentes: o mais significativo ocorrera em 1957 nas «Variações em lá menor» de António Portugal [LP Coimbra Quintet, com Luiz Goes/António Portugal/Jorge Godinho/Manuel Pepe/Levy Baptista (PHILIPS, ESTEREO 8330 016, 1957 [com múltiplas reeds.]), face 2, faixa 6]; mas também ocorrerá, logo a partir das primeiras trovas/baladas, em temas vários acompanhados somente à viola [e deixo para os investigadores específicos da matéria o recenseamento, aí, de tais ocorrências]. Ou seja: primeiros ou não, Jorge Tuna e Durval Moreirinhas estão desde cedo no processo, que usam com abundância até ao LP Coimbra Guitars, onde surgirá na quase totalidade dos temas [pense-se, aqui, nos temas «Entardecer», «Encontro», «Os Amantes», «Amanhecer», «Dança Triste», «Infância», «Na Feira», «Prece», «Devaneio», «Danças» e «Águas»].

c) A valorização da corda de mi – e do vibrato que lhe é próprio – individualiza particularmente o Autor; nas peças dos anos 90 para cá, salientem-se «Tempo de Guitarra» e «A Valsa».

d) O início de frases (ou secções das mesmas) com notas dadas para fora – procedimento cuja complexidade seria supérfluo acentuar – é outro traço marcante, presente já no segundo e no quarto EP’s e no primeiro CD (e muito particularmente nas «Variações em fá sustenido menor» e em «Flores para Manuela»).

e) A utilização dos bordões harmónicos na corda de ré pode também ocorrer, mas é sobretudo frequente em fases mais próximas de nós [cf., como peças especialmente significativas deste ponto de vista, «Amanhecer» (Daybreak), do LP Coimbra Guitars, Lado A, faixa 4; e «A Valsa» e «Memória de Coimbra», do CD A Guitarra de Coimbra, faixas 7 e 6], para além de se exercer em sequências harmónicas muito próprias [caso de «A Valsa»].

E a construção melódica também pouco ou nada tem a ver com Carlos Paredes; Jorge Tuna partilha com diversos (poucos) executantes do seu tempo a construção de melodias em grupos de 3 notas [procedimento onde, como já se viu, as «Variações em lá menor n.º 2» se revelam essenciais na Obra do Autor (EP Coimbra, face 2, faixa 1]: deste ponto de vista, uma vizinhança a explorar futuramente pelos estudiosos seria a eventualmente existente entre Jorge Tuna, Octávio Sérgio, Eduardo de Melo ou António Andias, por hipótese... o que é, obviamente, tarefa requeredora de uma formação musical que de forma alguma possuo...


É por tudo isto, Caro Ouvinte e Futuro Leitor, que fecho o presente texto com o pedido que titula a alínea terminal: deixa-me exprimir-te, como quem «conta um segredo», a ideia de que, para quem não seja Homem de um só Livro, a vasta Obra gravada de Jorge Tuna bem pode constituir manual de aprendizagem para jovens executantes: porque, de certa maneira, está lá tudo e há lá de tudo. Até hoje não têm sido numerosos os que se abalançaram à execução – pelo menos pública – de temas tunianos. Será esperar demais que, num futuro de médio prazo, as Cordas do Mondego possam fazer-se ouvir interpretando, também, temas deste AMIGO DO CORAÇÃO que em tempos habitou a Ladeira das Alpenduradas ?...


Post-Scriptum: Uma derradeira palavra para Manuela Tuna, não raro, estou em crer, verdadeira musa inspiradora dos trabalhos de seu Marido.



Lisboa / Morelinho (Sintra) / Coimbra, Julho / Novembro de 2003




Obs.: Para o essencial da vida e da obra de Jorge Tuna veja-se Pedro Caldeira CABRAL, Guitarra (A) Portuguesa, Alfragide, EDICLUBE, 1999, pp. 262-263; José NIZA, Um Século de Fado: Fado de Coimbra, vol. II, Alfragide, EDICLUBE, 1999, pp. 172-173; do mesmo Autor cf. também o belo texto («Jorge Tuna: O Navegador Solitário») que acompanha o CD As Mãos e a Alma (MOVIEPLAY, MOV. 30.473, 2003); António M. NUNES, «Da(s) memória(s) da Canção de Coimbra», in Canção de Coimbra: testemunhos vivos (Antologia de Textos), Coimbra, Direcção–Geral da Associação Académica, 2002, pp. 34-37 et passim; aponte-se ainda António de Almeida SANTOS, texto anexo ao CD Guitarra (A) de Coimbra (JORSOM, J-CD 7013, 1997); cf. ainda a notícia biográfica disponível em http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/%20tuna.htm; mais longe no tempo, vejam-se os breves textos, de Rocha PATO e sem indicação de Autor, respectivamente nos EP’s Coimbra (RAPSÓDIA, EPF 5.298, Porto, s.d. [ca.1965]) e Um som diferente nas Guitarras de Coimbra (POLYDOR, 10 001 CR, s.d. [ca.1967]); e as palavras de José Carlos de VASCONCELOS na contracapa do LP Coimbra Guitars. Sinopticamente, apontem-se: a) Nascimento (1937) e estudos liceais e superiores em Coimbra, culminando na licenciatura em Medicina (1961). b) Serviço militar, compreendendo uma estadia em Angola (1962-1965); pelo meio (1964), casamento com Maria Manuela Valadares Marques Lopo Tuna, licenciada em Filologia Germânica (UL); do casamento nasceriam quatro filhos. c) Um ano (1965/66) como assistente de Fisiologia (regência do Prof. José Gouveia Monteiro, 1922-1984; Reitor da UC, 1970-1971 [cf. Manuel Augusto RODRIGUES, Universidade (A) de Coimbra e os seus Reitores. Para uma História da Instituição, Coimbra, Arquivo da Universidade, 1990, pp. 376 e 523]) na sua ALMA MATER. d) Ulteriores residência e exercício profissional em Lisboa, como cardiologista e docente da Fac. Medicina/UL, onde se doutorou (1980) e agregou (1995), atingindo o topo da carreira como lente de Medicina Interna; aposentou-se em 2003. e) As «primeiras letras» da Guitarra aprendeu-as com Júlio Ribeiro e com o tenente Custódio Moreirinhas (1889-1964, pai dos violas Durval e Custódio Moreirinhas). f) Musical e discograficamente esteve depois ligado a guitarristas como Júlio Ribeiro e (sobretudo) Jorge Godinho [1938-1972] e a violas como José Tito [Mackay] e (sobretudo) Durval Moreirinhas. Desde a década de 60 que, justamente com Durval Moreirinhas, optou por uma formação instrumental simplificada (apenas guitarra + viola). g) Globalmente, a sua discografia compreende, de finais da década de 50 a finais da de 60, 5 EP’s 45 RPM (sendo quatro inteiramente instrumentais e um de acompanhamento do cantor João Barros Madeira [ed. RAPSÓDIA, EPF 5.092, Porto, s.d.]; três dos EP’s instrumentais foram recentemente transpostos para CD: ed. EDISCO, ECD 133, 2000), a participação em 3 temas (onde acompanha António Sutil Roque, António Sousa Pereira e João Barros Madeira) de um LP do Orfeon Académico de Coimbra e um LP instrumental (Coimbra Guitars. Played by Dr. Jorge Tuna and Durval Moreirinhas, ed. POLYDOR 184 194, s.d.); de 1990 para cá, mais um LP (Tempos de Guitarra, ed. JORSOM, 1990, ulteriormente passado a CD, com o título Guitarra [A] de Coimbra, incluindo alguns temas inéditos: v. supra, início da presente nótula) e um CD (v. supra, início da presente nótula).
* Revista Portuguesa de História, XXXVI/2 (2002-2003), pp. 397-416.


Jorge Tuna e Durval Moreirinhas (foto actual) Posted by Hello


Jorge Tuna, Durval Moreirinhas (de pé, com viola), José Tito Mackay (direita da foto), José Niza (atrás de Jorge Tuna) e Barros Madeira (esquerda da foto) a cantar. Foto do tempo de Coimbra. Posted by Hello

segunda-feira, abril 04, 2005

Bloco de Notas (6)

1979 ... Vou começar hoje a recordar a minha iniciação no fado e na guitarra de Coimbra.
Em novo, perguntavam-me o que queria ser quando fosse "grande"!
Como o meu padrinho era professor do liceu, e sempre que lá ia a casa era tratado com uma deferência especial, comecei a pensar que, mais tarde, quereria ser como ele. Sonhava então ser doutor! De quê? Não me interessava nem sabia o que isso era!
Já andava há uns dois ou três anos no liceu, quando passei a ouvir falar de Coimbra, das suas tradições e, principalmente, do seu fado. Comecei a ficar com curiosidade de saber o que isso era e, um dia, ouço na rádio, anunciado como fado de Coimbra, “Maria se fores ao baile” cantado, penso eu, por Fernando Rolim. Despertou-me a atenção e não desgostei. Curiosamente, no espaço de oito dias, ouvi o fado mais duas vezes. O “virus” acabara por entrar. A música ficou-me no ouvido e a letra registei-a para não mais a esquecer. Sempre que havia ocasião para isso, lá estava eu a trauteá-la. Entretanto já me tinha embrenhado na música em geral. Já era um apreciador de música ligeira!
Quando ainda criança, o meu pai punha-me à volta dele com os meus irmãos e ensináva-nos a cantar. Cantávamos então todos em coro. Era o “Alecrim”, “Caiu do céu uma estrela”, etc, etc. Eram momentos deliciosos, normalmente depois do jantar.
O meu pai, e o meu irmão mais velho, tocavam violino. Gostava de os ouvir mas, praticamente, nunca tentei tocar este instrumento, nem tinha permissão para isso. Mas, verdade seja dita, nunca me entusiasmou a sua aprendizagem, embora hoje sinta bastante pena.
Quando fiz dez anos, a minha mãe ofereceu-me uma harmónica de boca (gaita de beiços). Foi uma alegria, aquele momento. Em poucos dias já tocava várias músicas populares e de dança, utilizadas muito em colectividades, como a do “Viseu e Benfica”, localizada junto à minha quinta, em Viseu e para onde eu ia muitas vezes ouvir as orquestras e dançar, também.
A partir da audição regular de música de Coimbra na rádio, pedi a minha mãe que me ensinasse viola. Havia duas lá em casa. Ensinou-me o lá menor, que era o único tom que sabia, primeira e segunda posições.
Foi uma nova sensação que de mim se apoderou. Em todos os momentos livres, punha-me a cantar e a acompanhar simultaneamente. O lá menor dava para tudo, talvez até para canções em lá maior, quem sabe! A minha memória já não chega a tanto!
Em pouco tempo aprendi mais tons que o meu pai e o meu irmão mais velho me ensinaram. Comprei, entretanto, o método do João Victória, tendo ficado com uma visão mais alargada dos tons na viola.
Comecei a consultar os programas de rádio que os jornais publicavam e não falhei mais nenhum sobre Coimbra. Ouvia uma vez um fado, escrevia a letra que conseguia, e alguma da música cá ficava. Na repetição do programa – era sempre repetido – completava a letra e fixava melhor a música. Algumas peças mais elaboradas, aprendê-las-ia totalmente, mais tarde, noutros programas, em que eram novamente apresentadas.
Numa certa noite, acompanhado por alguns colegas, um deles de viola a tiracolo, combinámos ir fazer barulho a um lar de raparigas situado perto do nosso liceu. Lá fomos e, no meio da algazarra, pedi a viola emprestada e arranquei um fado do fundo da alma! O pessoal ficou mudo de espanto, pois não me conheciam tal faceta, já que eu era, normalmente, pouco expansivo. Entusiasmei-me com o sucesso e lá foram mais alguns! Para as raparigas foi uma noite diferente! Abriram e fecharam luzes a agradecer. Enfim, estava lançado o hábito de fazer serenatas naquela cidade, hábito esse que apenas terminou, quando de lá saí para Coimbra.
Lembro-me de um dia ir fazer uma serenata a uma rapariga, que morava perto da Sé, eu só, com a minha viola, com alguns compinchas destas lides a fazerem-me companhia. Mal comecei, vejo os meus companheiros dar às de vila-diogo, ao verem um polícia aparecer na esquina. Fiquei sozinho, sem temor e, curiosamente, nada me aconteceu. O polícia deve ter gostado e nada fez. Claro que, por vezes, havia corridas entre a estudantada e a polícia.
Quando, mais tarde, as serenatas começaram a ser feitas também com guitarras e outros cantores, íamos ao Comando da Polícia pedir autorização, a qual, normalmente, não era negada.


Capa do disco "Emoções 1" de Luís Penedo Posted by Hello

Disco “Emoções 1” de Luís Penedo
Luís Penedo é um guitarrista especial, não muito comum, pois dedica-se a tocar os dois géneros de música para guitarra: a de Coimbra e a de Lisboa embora, neste momento, a sua preferência vá para esta última. Neste CD, acompanhado à viola, e bem, por João Machado, executa doze peças, sendo três com a técnica de Coimbra e as restantes com a de Lisboa. Algumas delas são já de elevado virtuosismo, com interpretações de grande nível, a mostrar que Luís Penedo está perfeitamente enquadrado na técnica global da guitarra. Os temas são de muito bom gosto e de grande beleza, com alguns toques de grande originalidade. A peça de Domingos Camarinha, que tão bem conheço desde jovem, está tocada como sempre a ouvi ao autor, o mesmo acontecendo com a de Armandinho. Estamos, pois, em presença de um grande executante de guitarra de Lisboa, e tratando ainda muito bem o estilo coimbrão. É um disco que deve estar sempre na nossa memória.
Vou transcrever do caderno do CD, o que Luís Penedo diz sobre “As interpretações” .
“A interpretação na Guitarra Portuguesa é, sobretudo, uma interpretação de emoções, uma linguagem de sensações, para a qual as características de efeitos sonoros são base de uma expressão comunicativa neste nível sensorial.
Nesta dúzia de peças instrumentais tenta-se transmitir a emoção do intérprete. Como me salientava o meu mestre Domingos Camarinha, não se imitam emoções. Sente-se o que se sente e não aquilo que os outros sentem. Portanto o Fado das Berlengas e a Guitarra Triste, composições respectivamente de Armando Augusto Freire (Armandinho) e de Domingos Camarinha, são aqui interpretadas como homenagem a esses mestres e não os tentando imitar em rigor. Os especialistas notarão algumas pequenas diferenças que têm a ver com a minha própria interpretação inspirada pela audição de qualquer destas peças. É a minha mensagem emocional que está presente, ainda que o motivo e a base sejam a peça que, no primeiro caso me sensibilizou e no segundo caso foi a primeira variação que Domingos Camarinha me ensinou a interpretar pois era esse o seu ensino.
As outras 10 peças são emoções diversas, essas minhas, que eu próprio assim proponho a quem as queira comigo partilhar. São uma sugestão para que outros se decidam a gravar as suas obras para que todos possamos conhecê-las e partilhá-las, e a Guitarra Portuguesa se torne mais prestigiada.
A maneira de tocar é sempre, ou deve ser sempre, uma forma pessoal de interpretação. Não há padrões restritivos, ao pormenor, na utilização das duas técnicas desde que elas se diferenciem nos aspectos nucleares. Grandes mestres de Lisboa usaram e usam, a par de ornamentos e dedilhados de Lisboa, um balanço herdado da sua origem ou gosto próximos de Coimbra. E as técnicas pessoais, mesmo ao nível dos mestres de Coimbra envolvem, por vezes, aproveitamentos de figuras que são utilizadas também em Lisboa sem se perderem, em qualquer caso, as características identitárias.
Quando aqui se refere Técnica de Coimbra ou Técnica de Lisboa estamos, indubitavelmente, a tentar catalogar a forma pessoal de interpretar essas duas técnicas nas suas diferenças, mas também nas suas várias intersecções”.

Luís Penedo


(Extraída dum caderno do CD “Emoções 1”)

Luís Filipe Penedo nasceu em 1941 em Lisboa. Cursou o Liceu Nacional de Gil Vicente, prestou serviço militar na Marinha de Guerra Portuguesa entre 1962 e 1965. Em 1968 licenciou-se no Instituto Superior Técnico em Engenharia Electrotécnica. Trabalhou na TAP entre 1968 e 1970. Trabalhou na Companhia IBM Portuguesa onde exerceu funções como Engenheiro de Sistemas e em Marketing, ascendendo a Director Comercial para a área de Grandes Clientes quer no Porto quer em Lisboa. Em 1991 passou a exercer funções de Consultor Sénior IBM. Até 1996, ano em que se reformou. Foi Presidente da Associação Portuguesa de Informática, representante português e Membro do Conselho, da Federação Mundial de Informática (IFIP), entre 1983 e 1992.
Iniciou a sua aprendizagem de Guitarra Portuguesa aos 13 anos, como autodidacta e com base no antigo método de João Vitória. Teve lições com José Crispim, popular guitarrista de Lisboa, entre 1954 e 1955. Formou entretanto um Grupo de Serenatas no Liceu de Gil Vicente. Foi aluno do grande guitarrista Domingos Camarinha, em 1958 e 1959. Aperfeiçoou-se na técnica da Guitarra Tradicional de Coimbra com Eduardo Craveiro, quando este se encontrava em Lisboa, a quem sucedeu como 1º guitarra do Grupo de Serenatas do Orfeão Académico de Lisboa entre 1959 e 1962. Tocou peças de Carlos Paredes com entusiasmo desde o seu aparecimento. É membro do grupo amador “Os Feiticeiros do Fado” desde 1960. Em 1994 fundou a Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado, da qual é o Presidente da Direcção desde então. Aperfeiçoou-se também na técnica tradicional da Guitarra de Lisboa com o mestre Carlos Gonçalves, desde 1996. Formou (2003) um Grupo de Tertúlia de Fado e Guitarra Tradicionais de Lisboa, resultado de um projecto iniciado na Academia. Com este Grupo, “Tertúlia do Fado Tradicional”, produziu um CD, “Saudades do Fado”, de edição limitada, com um livrete de sentido didáctico. Compôs diversas obras para Guitarra de Lisboa e para Guitarra de Coimbra sem se afastar das características étnicas da Guitarra Portuguesa. Estuda e divulga o Fado e a Guitarra Portuguesa tradicionais, como formas de expressão étnica.

domingo, abril 03, 2005

Fado de Coimbra chega a Hong Kong


"Fado de Coimbra chega a Hong Kong". Este é o título de uma notícia, com esta fotografia inclusa, do suplemento do "Jornal de Letras", do dia 16 de Fevereiro de 2005, que hoje encontrei na internet. Reza assim: "com o patrocínio do Instituto Camões e do Instituto Português do Oriente, a Secção de Português, o Departamento de Música e o Museu da Universidade de Hong Kong, organizaram, no passado dia 17 de Dezembro, um concerto que levou o fado de Coimbra ao público de Hong Kong. O grupo de fados e guitarras "Presença Coimbrã" actuou na conceituada sala Fung Ping Shan Gallery do Museu da Universidade de Hong Kong. A "lição coimbrã" foi interpretada a cinco vozes, acompanhadas por três guitarras e três violas. O concerto teve início com uma composição instrumental e uma breve palestra sobre as origens do fado e as suas particularidades, por Manolete Mora, professor do departamento de música da Universidade. No final, um longo aplauso brindou a "Presença Coimbrã" que levou o fado a Hong Kong". Aqui vão os nomes dos participantes que estão na fotografia: Custódio Moreirinhas, Manuel Mora, Octávio Sérgio, Ricardo Dias, Carlos Caiado e Luís Ferreirinha. Na mesma, de pé, estão José Mesquita e Paulo Amador. Do grupo ainda fizeram parte Sobral Torres, João Pinheiro e José Andrade Ferreira, a cantar. Como acompanhantes, estiveram josé Vilela e Nuno Tavares; este, como organizador da digressão. Macau foi o local base do passeio que contou ainda com a comitiva de algumas antigas glórias futebolísticas. Posted by Hello

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