quarta-feira, abril 13, 2005

Bloco de Notas (8)

1979 ... Voltando ao dia a dia ...
Fui ontem tocar a duas Casas de Fado em Cascais; Kopus Bar e Casa do Rodrigo. Durval Moreirinhas acompanhou-me à viola e Rui Gomes Pereira cantou. Machado Soares era para ir connosco, mas um problema familiar impediu-o de participar. Toquei o meu Lá menor, Chula do Minho, Lá menor do Bagão e a Balada de Coimbra. Senti que me fazia falta um segundo guitarra.
No Kopus Bar presenciei uma cena de pancadaria entre um matulão e um sujeito de baixa estatura, em que o primeiro dá uma cabeçada no outro, deitando-o logo por terra. No final ficou uma grande poça de sangue no chão. Só no cinema é que se dão dezenas seguidas destas cenas e os personagens ficam incólumes! Mas, infelizmente, foi uma cena real. Foi a primeira vez que entrei numa Casa de Fados e fiquei decepcionado, não só pelo incidente referido, mas também pela falta de classe dos elencos a actuar. De tudo, só me ficou o Rodrigo, com uma voz bem característica e bem agradável de ouvir e o guitarrista Armindo Fernandes, bom executante; (faço aqui um parêntesis para recordar que, há bem pouco tempo – começos de 2005 – acompanhou Humberto Matias num disco, já referido neste Blog).
Volto agora atrás no calendário, para a narração que estava fazendo, já que, para os episódios àcerca do Domingos, ficarem juntos, dei um salto no tempo.
O grupo de Rolando de Oliveira acabou por se desfazer, pois este começou a interessar-se pela pintura, descurando a guitarra, o que deu azo a que, em pouco tempo, o suplantasse na execução do instrumento e, entretanto, João Fonseca foi embora de Viseu. Formei um novo grupo com Jorge Furtado à guitarra, Manuel Rodrigues à viola (este conhecido por Manuel das Águas, irmão de António Rodrigues “António das Águas”, autor do Lá maior cuja partitura já foi colocada neste Blog) e ainda na viola, Alexandre Vale. Mais tarde apareceu o João Sá à viola e também a cantar, com uma voz bem modulada e de belo timbre, dando notas agudas com facilidade. Fizemos a primeira serenata para público nas escadas do parque da cidade, em frente ao Liceu. A assistência era de umas boas centenas de pessoas. Esta serenata fez parte da festa de finalistas. Já se tinha realizado um sarau no qual, juntamente com José Maria Barros Ferreira e João Sá, os três de viola em punho, cantámos, entre outras, músicas do então muito em voga Trio Odemira. No ensaio geral deste sarau o reitor, que estava presente, censurou a letra duma canção que dizia “apalpava as moças todas, esta é dura aquela é mole”. Fomos obrigados a modificar o texto! Naquele tempo a censura era bem apertada em todos os actos do cidadão comum, mesmo em pormenores tão insignificantes. Eram os “bons costumes” que estavam a ser pisados!
Volto à actualidade; 1979 ... Dei-me ao trabalho de medir a espessura das cordas duma guitarra do Gilberto Grácio que comprei há pouco tempo. O Si agudo tem 0,25 mm; O Lá, 0,32 mm e o Mi, 0,35 mm. Não entendo por que razão haja 0,07 mm de diferença entre o Si e o Lá e apenas 0,03 mm entre o Lá e o Mi. Afinal é neste último caso que há um maior intervalo: dois tons e meio (intervalo de quarta). No outro caso, estamos em presença de um intervalo de segunda (um tom apenas). Numa próxima oportunidade quero discutir isto com Gilberto Grácio, Kim Grácio e Artur Paredes.
Voltando às memórias do passado ...
Enquanto toquei com Jorge Furtado e João Sá, fizemos várias gravações para a Rádio Altitude da Guarda, que foram transmitidas por esta estação e ainda pela instalação sonora do Rossio de Viseu. Era habitual, naquela época, ainda sem televisão, as pessoas irem passear para aquela praça, à noite, aquilo a que, por graça, chamávamos ir tirar água da nora. Andávamos em grupos, dando voltas para um e outro lado, conversava-se, ouvia-se música, olhavam-se as moças e assim se passava o tempo!
Desagregado o último grupo por saída de Jorge Furtado, passo a tocar com Fernando Rebelo à guitarra e José Maria Barros Ferreira à viola e também a cantar. João Sá passou apenas a cantor. Foi um período áureo das serenatas em Viseu. Os fins de semana eram quase sempre preenchidos com deambulações artísticas pela cidade, pelas suas ruas estreitas e mal iluminadas, debaixo da janela de qualquer moça com que um de nós ou algum amigo estava embeiçado.
Entretanto, convenci a minha mãe a comprar-me uma guitarra de novecentos escudos, no Olímpio Medina, em Coimbra. Lá me deu o dinheiro e aí vou eu, rumo à Lusa Atenas, depois de combinar com José Mesquita um encontro com Jorge Tuna, para ajudar a escolher a guitarra. Assim que lá cheguei não resisti e, estupidamente, fui comprar a guitarra sozinho. É claro que a escolha não teria sido a mais acertada! Seja como for, esta guitarra era incomparavelmente melhor que a do Zacarias. Agora sentia-me um senhor! Só mais tarde, em Coimbra já, é que me dei conta de quão fraquinha ela era!

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