sábado, março 26, 2005

Dois guitarristas portuenses que nos deixam


Armando Luís de Carvalho HOMEM



1. Alexandre Brandão (1909-2004)


Executante notável, bom intérprete de Artur Paredes (a quem chegou a conhecer), despontou nos anos 20/30, no seio de um grupo de estudantes dos Institutos Industrial e Comercial do Porto (actuais Institutos Superiores de Engenharia e de Contabilidade e Administração / Instituto Politécnico do Porto); outros nomes a referir para esse tempo são os de Fernando Lencart (então guitarrista, depois notabilizado como executante de viola clássica e alaúde) e Ayres de Aguillar (guitarrista, integrante do grupo de João Bagão [1921-1993] a partir dos anos 60).
Já na década de 40, Alexandre Brandão formou um «trio Brandão» (que incluía o guitarrista Lauro de Oliveira [† 1970] e o viola José Severino), actuando regularmente nos então Emissores do Norte Reunidos. Era detentor de uma colecção notável de discos de gramofone, incluindo gravações próprias e algumas gravações de Artur Paredes / Carlos Paredes / Arménio Silva (programa Guitarradas de Coimbra, Emissora Nacional [Lisboa], anos 40), onde por vezes se encontravam versões diferentes das vulgarmente conhecidas por gravação comercial e normalmente executadas (em Artur Paredes nada era definitivo, conforme Octávio Sérgio já por mais do que uma vez aqui salientou, em textos derivados dos seus preciosos blocos de notas…). Utilizador de diversas afinações (numa delas a escala com as cordas soltas proporcionava um acorde de Mi Maior), nelas executava outro tipo de repertório, inclusive clássico (v.g. «Momento musical», de Schubert). Peças originais não lhas cheguei a conhecer; mas é possível que algo tenha ficado. Sobra-me portanto a imagem de um grande executante e de um notável arranjador de temas populares (incluindo uma «Chula do Douro», que executava com uma das tais afinações alternativas) e até de uma peça brasileira («Noite de estrelas» [valsa em Lá], de Dilermando Barbosa), que o seu discípulo Mário Freitas executou frequentemente em público.
Nas décadas de 50, de 60 e de 70 vários foram os guitarristas do Orfeão Universitário do Porto que beneficiaram do magistério do «Senhor Brandão», como normalmente era tratado: António Rosa de Araújo (de quem se falará já a seguir), Manuel Antunes Guimarães, Manuel Melo da Silva e Mário Freitas (a quem devo a oportunidade de o conhecer e de por mais de uma vez ir a sua casa [1972-1973]; mais tarde [1981], lá voltei com Octávio Sérgio; por diversas vezes o encontrei também em casa do advogado e guitarrista Dr. Eduardo Teixeira Portela), entre outros.
Alexandre Brandão teve na vida outro hobby: a criação de canários e o treino e classificação do seu canto, sendo perito internacional na matéria.

Obs.: Sobre este executante cf. o texto de Jorge FÉLIX disponível em http://www. terravista.pt/ancora/2047/private/AlexanBrandão.html [consultado em 2004/09/10]; inclui uma foto de AB à guitarra no dia do seu 90.º aniversário; veja-se também, de minha autoria, «”Fado (O) de Coimbra” na Academia do Porto», in José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, I, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 115-128, maxime 116 e 126-127; agradeço por último aos guitarristas Eng.os Manuel Antunes Guimarães e Manuel Melo da Silva as informações que me prodigalizaram.



2. António Rosa de Araújo (1931-2004)


Médico formado pela Fac. Medicina/UP, fundador e primeiro Director do Serviço de Hematologia do Hospital de S. João (cargo de que se aposentara há alguns anos), António Rosa de Araújo pertenceu ao Orfeão Universitário do Porto (OUP) na década de 50, integrando como guitarrista um grupo de que também fizeram parte Serafim Guimarães (g.) [ulterior lente de Medicina/ Farmacologia, jubilado em 2004; Vice-Reitor da UP em 1984-1985], Fernando Reis Lima, Fernando Neto Mateus da Silva [que já passara por Coimbra; nos anos 60 integrará o grupo de João Bagão, participando em diversas gravações] e José Alão [irmão de Paulo Alão] (vv.). Acompanharam cantores como José Tavares Fortuna, Óscar França, José Vitorino Santana (1931-2004) e Filipe Gameiro dos Santos, entre outros. Foi o essencial desta formação que participou na primeira digressão do OUP a Angola (1956).
Rosa Araújo deixou no OUP memória de virtuoso e exigente – consigo próprio e com os Colegas de Grupo –, para além de extremamente minucioso na fidelidade aos originais quando executava temas de Artur Paredes.
Apenas uma vez o encontrei: foi em Abril de 1972, por ocasião das comemorações do 60.º aniversário do OUP e do 10.º da Associação dos Antigos Orfeonistas (AAOUP). O que vi e ouvi – em ensaios e no Sarau em colaboração OUP/AAOUP (Coliseu do Porto, 1972/04/289 – confirmou-me as rememorações de orfeonistas mais veteranos. Rosa Araújo possuía uma guitarra GRÁCIO de construção já antiga – julgo até que de algum dos antecessores de Gilberto Grácio –, de escala macia e de sonoridade límpida; dela extraía um som puro – eventualmente a fazer lembrar Eduardo de Melo – embora não excessivamente possante. O seu repertório era tradicional, inclusive nas introduções de «fados»; e, naturalmente, no plano instrumental Artur Paredes tudo sobrelevava: ouvi-lhe as «Variações em Sol Maior» e «em lá menor» [n.º 1]; estas últimas executou-as no referido Sarau (com Serafim Guimarães [g.] / Fernando Reis Lima e José Alão [vv.]: a ‘concatenação’ com o «2.º guitarra» era notável, chegando a alternar a abordagem solística de frases; por sorte, esta peça (bem como «A Água da Fonte», tema vocalizado por Óscar França) ficou registada no LP antológico do Sarau em causa (ed. Arnaldo Trindade, 1973).

Obs.: Sobre este executante cf. o trabalho de minha autoria cit. supra, a propósito de Alexandre Brandão, p. 118; agradeço ao Prof. Doutor Serafim Guimarães as informações que me facultou.

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